Conversas à mesa

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No ar pairava o doce aroma de panquecas doces sendo feitas em uma manhã de segunda-feira. Lola era ágil em moldar panquecas na frigideira.
- Que cheiro maravilhoso! – Miranda se aproximou por trás do corpo da amada que estava diante do fogão cozinhando – Não me diga que está fazendo...
- Panquecas! Seu prato preferido – Lola retirou com uma espumadeira a última panqueca da frigideira e desligou o fogo.
- Você é maravilhosa...
Os lábios de Miranda tocaram os de Lola e elas se beijaram docemente.
- Vamos comer – a morena levou as panquecas até a mesa e sentou-se – O que é isto em sua mão?
A mulher loira olhou para a própria mão e explicou do que se tratava.
- Correspondências.
O casal, sentado à mesa, começou a se servir. Enquanto Dolores enchia dois copos com um suco de laranja recém feito, Miranda abria as cartas recebidas.
- Conta de luz, de água, gás e condomínio. Quer abrir?
Dolores pegou as cartas e abriu cada uma. Sua esposa deixava esta tarefa de abrir as correspondências para ela, pois segundo a mesma se divertia fazendo isto.
As mãos pequenas abriram cada envelope, mas assim que seus olhos se depararam com um envelope azul, sua boca crispou-se e resolveu que deixaria o cartão de lado. Miranda percebeu a insatisfação dela e resolveu descobrir do que se tratava o cartão.
- O que foi? – perguntou enquanto dava um gole no suco cítrico – Posso ver?
Lola não conseguia esconder nada de Miranda e mesmo se tentasse, sua expressão corporal sempre a dedurava.
Então ela resolveu entregar o cartão azul.
O cartão estava dentro de um envelope de carta que a origem do remetente era a cidade do Rio de Janeiro. Curiosa, Miranda abriu o cartão azul que revelou do que se tratava. Com a frase ''Você está convidado para..'' ela percebeu que o cartão era um convite para uma festa de aniversário.
- ''Venha comemorar conosco o 7° aniversário de Gabriel'' – Miranda leu em voz alta – Amor, é um convite para a festa de seu meio irmão.
- Nós não vamos – Lola se serviu de uma xícara de café e sentiu a bebida quente descer pela garganta.
- Posso saber por que não? – os olhos verdes da loira a interrogaram.

Lúcio era o pai de Dolores e a criou sozinho pois sua mulher havia falecido em um acidente de carro quando a menina era criança. Desde então, o homem nunca conseguiu retomar sua vida amorosa com alguém. Nunca havia tido algo concreto após a morte de Mayra. Porém, quando Lola estava no último ano do ensino médio, Lúcio conhece Michele, que de início mostrou ser uma mulher esnobe, frívola e metida. Com o tempo, Michele modificou sua maneira de ser e de enxergar o mundo e ganhou o carinho de sua enteada. O casal teve um filho chamado Gabriel que cresceu longe dos olhos de sua meia-irmã, que agora morava em outro estado. Com isto, fazia anos que Dolores não visitava sua família no Rio de Janeiro, sempre que tinha feriados e datas comemorativas, ela dava alguma desculpa e não ia viajar para visitar seus parentes. Os anos haviam passado e ela ainda não conhecia seu irmão mais novo. É claro que a Dolores sentia saudade de seu pai e de Michele e até mesmo do pequeno Gabriel, mas por ser teimosa e talvez um certo orgulho, preferiu manter contato com a família de longe via telefone, skype, facebook e todas as outras redes sociais. Mas as coisas haviam mudado e agora estava morando junto com Miranda, que se tornou sua companheira e que ao perceber que Lola estava distante da família achou que seria uma boa hora para enfim se reverem.

- Não quero ir ao Rio de Janeiro. Nossa vida agora é aqui em Minas, Miranda. Você sabe disso – disse enquanto molhava sua panqueca com uma calda de frutas vermelhas.
- Eles são sua família, Lola. Independente de qual estado você está morando, eles sempre serão parte de sua família. Devemos ir à esta festa e eu sei que você está morrendo de saudades de todos eles. Principalmente do seu pai – começou a cortar uma fatia da deliciosa panqueca.

Antes de concordar com Miranda, Lola fez aquilo que ela sempre fazia quando era contrariada; revirou os olhos. Algumas coisas permanecem as mesmas.
- Tudo bem, podemos ir. Mas não pretende ficar muito tempo por lá.
Miranda vibrou e bateu palma.
- Isso aí. Você vai ver como vai te fazer bem rever as pessoas que te amam.
- Assim espero... – Lola disse enquanto comia.

Seus pensamentos voaram para longe. Voaram para o seu passado, quando também pensou que as coisas iriam correr tudo bem.


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Minas Gerais, Março 2016

NARRAÇÃO DE LOLA

Dividir o quarto com Marília não fora um dos meus piores pesadelos. Resolvemos que eu dormiria na cama debaixo e ela permaneceria na parte de cima. No apartamento das meninas, havia regras e horários para tudo. Como eu não estava acostumada a seguir qualquer tipo de ordens, tive um pouco de dificuldade em aceitar, por exemplo, que deveria me recolher para dormir às dez horas da noite. Aquilo era insano demais, nem meu pai me mandaria ir dormir àquele horário. Mas como eu estava morando em conjunto, entendi que deveria seguir tudo o que estava combinado. Com o passar dos dias tudo aquilo foi ajustado à minha rotina e dormir cedo já fazia parte da minha vida.

Cedo de manhã, à mesa do café da manhã, Beatriz e Alice tagarelavam sobre uma certa festa que fariam no apartamento antes das aulas começarem.
- Assim que acabarmos de comer, iremos às compras. Pretendo comprar os ingredientes para as mini tortas de maçã e para a torta salgada que pretendo fazer. O que acha, Bia?
- Uma boa ideia, Alice. Porém devemos ver os enfeites da mesa e da sala. Que tal uma festa neon? Ou será que esse tema está muito batido? – Beatriz anotava tudo em um caderninho enquanto bebia uma xícara de achocolatado com leite.
- Mini torta de maçã? O que é isso? Chá da tarde com a Rainha da Inglaterra? – Marília debochou enquanto partia um pão francês pela metade – Por favor!
- E qual é o problema? Nem todo mundo tem um gosto ruim como você que não sabe apreciar coisas chiques – Alice disparou e jogou seu cabelo longo, sedoso e loiro para trás.
- Meninas, não vamos brigar! – Bia as interrompeu.
- Eu só acho que as pessoas vão querer é encher a cara de bebida ao invés de comer os seus quitutes.
- Marília, deixe Beatriz cozinhar o que ela quiser. Mas você tem razão, pois esquecemos do principal; das bebidas.
Alice balançou a cabeça e mordiscou um de seus biscoitos amanteigados.
- E você, Lola. Tem alguma ideia para a nossa festa?
Eu estava distraída quando Beatriz me questionou. Estava relembrando as festas desastrosas que havia ido no ano passado. Me lembrei da festa da Roberta onde acertei uma garrafa de cerveja na cabeça de um menino nojento que me perseguia.
- Não gosto muito de festas. Minhas experiências nunca me deixaram lembranças boas.
- Que isso! É claro que você vai gostar da nossa. Aliás, eu só chamei uns meninos gatos e vou te apresentar todos – Alice disse animada.
- Só lembre-se de que não podemos levar nenhum deles para dentro de nossos quartos, Alice – advertiu Bia.
- Eu sei, Bia. Deixa de ser chata, só estava querendo animar a Lola.
Sorri sem graça para a menina loira.
- Bom, vou me retirar da mesa porque a assunto de vocês me dá náuseas.
Marília levou um copo de suco de acerola para o quarto e as deixou sozinhas.
- O que deu nela? – eu perguntei.
- Ué, não percebeu? – Alice riu – Ela não gosta de meninos.
Um silêncio repentino tomou conta da mesa e fiquei apreensiva. Me ocupei bebendo todo o meu suco.
- Alice, já conversamos sobre isso. Deixe de ser intrometida – Beatriz a repreendeu.
- Só estava falando a verdade, mas enfim... Vamos voltar a falar da festa. Você vai conosco comprar as coisas, não é mesmo Lola?
Balancei concordando com Alice, mas minha mente ainda estava pairando sobre o que eu havia descoberto sobre Marília. 

A Cor Púrpura de Teus Cabelos - Parte 2Onde histórias criam vida. Descubra agora