Sombra do Passado

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RIO DE JANEIRO
NARRAÇÃO DE LOLA

A comemoração do sétimo aniversário de meu meio-irmão Gabriel estava divina. A temática da festa foi inspirado no livro ''O Pequeno Príncipe'', com direito há rosas vermelhas, raposa, planetas e o próprio Príncipe enfeitando cada detalhe. Havia uma mesa reservada para Michele, meu pai, Miranda e eu. Eles não sabiam que iríamos, então nos juntamos à eles, mas como eles eram os anfitriões da festa, não ficaram sentados à mesa pois tinham que receber os convidados.
- Amor, a festinha do Gabriel está maravilhosa. Olha o detalhe desse enfeite na mesa – Miranda observou, encantada o enfeite de decoração que era um vasinho azul com uma rosa vermelha fincada em uma porção de balas coloridas.

- Realmente, está tudo muito lindo. Ainda bem que você me convenceu à vir, amor – peguei a mão de minha amada e beijei o dorso de sua mão – Sou grata por ter você em minha vida.

Os lindos olhos verdes de Miranda ficaram marejados.

- Eu te amo, Lola – ela pronunciou meu nome e eu me derreti.

Fomos interrompidas pela chegada de um garçom servindo salgadinhos quentinhos e empadinhas. Agradecemos e comemos enquanto observávamos as crianças brincando à nossa volta, correndo, pulando e cantando as músicas infantis que estava tocando na festa.

- Venham tirar uma foto com o Gabriel na mesa do bolo – meu pai nos chamou.

Michele, Miranda, Gabriel, meu pai e eu tiramos uma bela foto em família. Naquele momento percebi a falta que sentia do meu pai e de Michele e também me vi arrependida em não ter participado da vida de Gabriel, mas se tem algo que aprendi na vida após o reencontro com Miranda, foi que nunca é tarde para restabelecer laços, ainda mais laços entre sua família.
Lembrei de minha mãe Mayra e sorri, pois sabia que aonde quer que ela estivesse, ela estaria feliz em saber que Lúcio retomou a sua vida. Ficaria mais feliz ainda em poder ver a mulher que havia me tornado. Apesar dos anos, eu ainda sentia falta dela. Era um buraco que jamais seria preenchido, mas a dor deu espaço à esperança e a saudade, mas a certeza de que um dia iríamos nos encontrar.

❥ ❥ ❥

- Irmã, vem comigo na piscina de bolinhas – Gabriel me puxou pelo braço para a minha surpresa e eu o segui até o brinquedo, deixando Miranda para trás e vi que ela sorriu e acenou ao voltar para a nossa mesa e dar um gole no refrigerante recém servido.

- É só acertar a bola no alvo – ele me orientou enquanto subia uma escada ao lado da piscina de bolinhas coloridas e se sentava num apoio. Outras crianças alvoroçadas à minha volta, gritavam e me incentivavam à derrubá-la.

- Acerta! Acerta! – uma menina de maria-chiquinhas gritava enquanto lambia um pirulito.

Peguei uma bolinha roxa e mirei no alvo, mas não acertei. Um menino com uma blusa do homem-aranha riu de mim.

- Tia, a senhora tem que jogar com mais força.

''Tia?'' eu pensei na minha cabeça.
É, realmente estava ficando velha.
Entrei na brincadeira e segui o conselho do menino.
Gabriel permanecia sentado esperando para ser derrubado. Um sorriso no rosto aqueceu meu coração. Era o primeiro momento em que brincávamos juntos e que eu tinha um contato com ele. Não sabia brincar com crianças, mas poderia começar a aprender.

Minha mão foi em busca da segunda bola, agora da cor amarela. Fechei um dos olhos e coloquei uma língua para fora de um jeito teatral e fiz as crianças rirem alto.
Joguei com força e precisão e por fim o derrubei que por sua vez se alegrou e jogou as bolinhas da piscina para o alto.

Foi então que ele me abraçou, ainda dentro do brinquedo e eu fiquei surpresa.

- Bem que minha mãe disse que você era legal.

Não sabia o que fazer, apenas o abracei e baguncei sua cabeleira loira e o beijei na testa.
Então Michele falava de mim para ele. Achei aquilo muito bonito e tocante.

- Filha, gostaria de lhe apresentar alguém.

Larguei Gabriel e me virei para meu pai. Ao seu lado havia uma mulher com um vestido vermelho, cabelo preso e escuro e um sorriso misterioso nos lábios.

- Esta é a minha nova assessora no meu escritório de advocacia; Marília Ramos.

Boquiaberta apertei a mão longa que estava estendida em minha direção.

- Ela disse que vocês estudaram juntas ou se conhecerem na faculdade.

Nenhuma de nós o respondeu e fui salva por Michele, chamando meu pai para cumprimentar e receber uma família que havia chegado à festa.

- Dolores Fernández filha de Lúcio, meu novo chefe. Como o mundo é pequeno, não? – ela disse com um sorriso tolo nos lábios.

Eu ainda estava petrificada ao rever o furacão Marília, a mesma que havia abalado a minha vida no meu primeiro ano de faculdade na república em Minas Gerais.
Não podia acreditar que ela havia retornado.
A vida era algo insano.

❥ ❥ ❥

Minas Gerais, Março de 2016

Quando saí do apartamento em que morava com as meninas, me vi perdida e desamparada como nunca antes nessa vida. Puxando minha mala de carrinho e com minha mochila nas costas, sentei nas escadas da entrada da faculdade e comecei a chorar desesperadamente.
Cogitei em ligar para meu pai, mas como eu iria explicar que havia sido, praticamente, expulsa da república que ele havia arrumado para mim? Pensei em ir em busca de um hotel para passar pelo menos uma noite, mas o mais próximo ficava horas de caminho usando carro. Chegaria ao anoitecer. Em prantos, mal percebi quando uma menina negra com um black power poderoso e lindo, colocou a mão em um dos meus ombros e me perguntou se eu estava bem. Nem precisei responder que não estava, pois meu pranto respondeu por mim. Ela me ofereceu uma garrafa de água e disse para eu me acalmar. Logo lhe contei tudo o que havia acontecido e disse que não tinha para onde ir.

- Quer morar comigo? Moro sozinha em um apartamento perto daqui, também estudo na mesma faculdade. Faço relações internacionais. Aliás, meu nome é Sabrina.

Não sabia como agradecer. A vida colocou um anjo em meu caminho que havia me aceitado da maneira que sou e não julgou a minha história. Me surpreendi comigo mesma ao perceber que me abri por completo para uma estranha. Mas algo em seu sorriso e em sua maneira de se portar me fez crer que ela era uma boa pessoa.

- O-Obrigada – gaguejei em soluços com rastros de lágrimas salgadas em meu rosto – Me chamo Dolores, mas pode me chamar de Lola. Nem sei como te agradecer, Sabrina. Você me salvou.

Ela me abraçou e me ajudou a carregar minhas coisas para o apartamento dela.

❥ ❥ ❥

No sexto andar do terceiro prédio à esquerda da rua principal da faculdade, Sabrina morava sozinha em seu apartamento de um quarto. Era simples, porém aconchegante. Mal entrei e já me senti em casa. Parecia que já tinha ido àquele lugar e que a conhecia há anos.
Ela então me apresentou seu lar e me acomodou na cama debaixo de seu quarto.
Minha voz se embargou e me vi aos prantos novamente. Com suas pequenas mãos ela limpou minhas lágrimas e me disse que tudo ficaria bem.
Agradeci aos céus por ter colocado um anjo em minha vida.
Nem tudo estava perdido.
Nem todas as pessoas do mundo eram más.

❥ ❥ ❥

UM DIA DEPOIS

Após me recompor, consegui ter uma noite de sono tranquila. As cenas do dia passado ainda assombravam a minha mente. Mil mensagens não respondidas estavam no meu whatsapp. Decidi que trocaria de número, queria deixar meu passado para trás. Era uma infelicidade saber que ainda assim teria que ver os rostos daquelas meninas nos corredores da faculdade. E o rosto de Marília era o que mais me assombrava.
Depois de tomar café da manhã e agradecer pela milésima vez a hospitalidade de Sabrina, fui para a rua comprar um novo chip. No meio do caminho passei numa farmácia algo que me ajudaria a me refazer nessa nova fase.

No banheiro do apartamento de minha nova amiga, abri a caixa e li as instruções. Antes de começar a pintar meus cabelos, me olhei no espelho e me despedi da antiga Lola. Abri o armário em busca de uma tesoura pontiaguda. Cortei meu cabelo na altura dos ombros meio repicado e não contive minhas lágrimas. Me segurei na pia e recobrei o fôlego. Se havia começado algo, deveria acabar. As mechas cor de púrpura caíam no chão e na pia do banheiro, enquanto as lágrimas escorriam de meus olhos. A parte mais difícil foi tingir meus cabelos de preto. Quando terminei o trabalho e lavei meus cabelos depois de esperar quarenta minutos, não reconheci o reflexo que me encarava.
A menina que me olhava com um olhar severo não era eu. Não poderia ser eu. Mas eu teria que aceitar o meu novo eu, pois eu já não era a mesma pessoa.
Cortar e tingir os meus cabelos era uma fase de um processo para que eu pudesse deixar tudo para trás. Cada mecha cortada e tingida era um novo passo para o futuro e era uma lembrança de Miranda ou de Marília deixada para trás. Já não queria nenhum traço delas em meu corpo. Nenhuma lembrança do passado.
Eu era uma nova criatura. Alguém disposta a mudar a minha própria história de vida.

❥ ❥ ❥

RIO DE JANEIRO, TEMPO ATUAL
NARRAÇÃO DE LOLA

- Como você veio parar aqui? – eu perguntei ainda abalada.

Toda vez que ela sorria uma raiva repentina tomava conta de mim. Como ela ousava rir assim na minha cara depois de tudo que me causou?

- Olá, vai me apresentar à sua amiga? – minha mulher apareceu por trás do meu corpo e percebi que Marília se sentiu incomodada.

- Eu mesma me apresento. Me chamo Marília, prazer – elas se cumprimentaram.

Miranda colocou uma de suas mãos em minha cintura.

- Sou Miranda, prazer.

O semblante de Marília mudou e ela passou o peso de seu corpo para a outra perna, trocando de posição.

- Ora, a famosa Miranda. Jamais pensei em conhecê-la.

Respirei fundo e balancei a cabeça. A tragédia já estava por vim.

- Sou famosa então? – Miranda retirou as mãos de minha cintura e me encarou – Pena não poder dizer o mesmo, pois nunca ouvi falar em você, Marília.

- Pois então quer dizer que Lola não lhe contou sobre mim? Não lhe contou sobre o caso que tivemos no passado? – ela destilou o seu veneno com uma voz sedosa e branda como um tecido de seda sendo arrastado pelo chão liso.

Me segurei para não arrancar aqueles brincos enormes que ela usava com as minhas próprias mãos.

Miranda me encarava com seus olhos verdes penetrantes em busca de uma explicação plausível.

Quando tudo estava bem, lá vinha algo para me tirar do eixo.
Estava sendo arrebatada novamente pelo furacão Marília, mas dessa vez eu não deixaria que ela me arrancasse do chão.   

A Cor Púrpura de Teus Cabelos - Parte 2Onde histórias criam vida. Descubra agora