Capítulo 7 - Distorções

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As palavras não pareciam fazer efeito no demônio. Eu precisava lembrar que estava lidando com algo sobrenatural, que sequer deveria existir e que faria todos dividirem de minha sanidade. Uma mente perturbada cheia de tragédias e defeitos, poderia me causar tais alucinações?

Passo a ponta dos dedos pelo tecido do vestido, fazendo repetidas vezes, causando um leve formigamento na ponta de meus dedos que me faziam passar as unhas pelo mesmo, sentindo que tudo era mais real do que parecia ser.

— Não creia em suas palavras quando duvida da própria sanidade. Quando tens mais dúvidas de sua própria existência, mas crê na minha.

Ele se levanta e passa em volta da poltrona qual estou sentada. Sinto seus dedos deslizando pelos meus ombros, deslizando uma das alças do vestido pelo meu ombro aquele ato me fez paralisar e observar suas mãos gélidas em minha pele quente, causando uma sensação estranha. Eu queria, queria muito conseguir me levantar e correr, mas era como se seu toque e sua respiração me mantivessem ali; presa a ele.

— "Somos todos iguais aos olhos do pai." — Continuou ele — Mas você sabe que não é bem assim, veja seu reflexo no espelho, Ella e me diga o que vê. Vê a imagem de perfeição ou só vê uma face distorcida que precisa ser alterada para que agrade a outros?

— E-eu... — Minha voz trava; se tranca no fundo da garganta e tudo que saem são grunhidos como as de um cão quando estão prestes a tirar o osso que ele está mastigando. Involuntariamente me levanto, meu corpo se curva para trás e fecho os olhos, sentindo meus braços doerem, como se estivessem sendo puxados em direções opostas.

Já não sinto mais as mãos de Justin em mim apenas ouço sua respiração próxima a meu pescoço, como se sentisse o cheiro de medo que exalava pelo ar.

Aos poucos pude ouvir vozes, de sussurros de perdão a gritos de dor. Sentia-me no purgatório, como se pudesse sentir as chamas do próprio inferno em meu corpo; queimando-me por dentro, desfigurando-me de dentro para fora.

Atordoada com todas aquelas vozes gritando e falando coisas diferentes, coloco as mãos em minha cabeça e a balanço enquanto fecho meus olhos, deixando os lábios entreabertos. Sinto os fios do meu cabelo se desprendendo do penteado que eu usava depois de chegar ali, — sem contar o vestido vermelho e longo, que parecia ser um número menor, marcando bem a silhueta do meu corpo — sinto o cabelo bater em meu rosto e então paro ao perceber Justin em minha frente.

Como se toda a força que eu tinha se depositasse em minha garganta, a única coisa que fiz foi abrir minha boca e gritar o mais alto que podia enquanto olhava nos olhos do demônio que parecia surpreso com meu ato, mas mantinha sua feição seria de como se nada o abalasse, ou o comovesse, como se minha dor e frustração fosse um agrado a seus sentidos.

O ranger da porta da sala sendo aberta me faz parar de gritar e respirar ofegante. Dois passos para o lado e corro, corro como se não houvesse mais um amanhã, — O que talvez não tivesse — corro para o mais longe que posso em um corredor cheio de portas, quais preferi não entrar.

Mas os corredores pareciam não dar em lugar algum, como se tivesse correndo em infinito corredor. Me vendo sem saída, me vejo obrigada a abrir algumas das portas, mas todas pareciam trancadas.

Tiro os saltos dos meus pés e puxo o tecido do vestido com muita força, rasgando para que não acabasse caindo por conta deles.

Olho para todas as direções e estava sozinha em apenas um corredor, que agora não tinham mais continuações, como se estivesse presa em uma caixa que ia diminuindo, me viro para tentar mais uma vez abrir uma das portas, mas elas já não estavam mais ali, olho no lado oposto e apenas uma única porta tingida de branco era minha opção. Caminho até a mesma e levo minha mão em direção a maçaneta, escutando um som alto e todas as luzes se apagaram me forçando a abrir a porta de uma vez, mas assim como do lado de fora, naquele lugar também havia apenas escuridão.

Adentro o cômodo, dando passos pequenos, usando os braços para encontrar uma parede. Me viro em várias direções e vejo ao longe um pequeno feixe de luz; tento correr em sua direção, mas meu corpo se choca contra algo e caio sentada no chão frio, perdendo a noção do lado para qual deveria ir.

As luzes são ligadas, uma por uma, me dando um local assustador. Um corredor de espelhos, dos diversos tipos e formatos; todos refletindo minha imagem.

Apoio minhas mãos no chão e me levanto; andando calmamente até um dos espelhos e observando a imagem que ali se refletia. Minha imagem distorcida, que mostrava algum tipo de aberração que nunca seria aceita em uma sociedade, que seria hostilizada por não ter os níveis de beleza que as pessoas tentam ter.

" Você é feia! "

O sussurro soa em minha volta, se repetindo diversas vezes.

Olho para todos os lados, para todas as imagens, para todas aquelas distorções de um mesmo eu.

" Você deveria estar morta, Ella! ", " Sua mãe morreu pelo desgosto que teve de você! "

Meus olhos se enchem de lagrimas, e por mais que tentasse me manter forte, era impossível. Lagrimas desciam por minhas bochechas conforme cada um daqueles sussurros passava por minha mente.

" Você poderia ter um rio por conta do seu falso sofrimento e lagrimas. "

Podia sentir algo molhar meus pés ao ouvir alguma voz distante gritar. Aos poucos a água subia, chegando aos meus joelhos, me fazendo caminhar com dificuldade por aquela sala.

Aquelas vozes me deixavam perdida dentro de um lugar sem saída, olho para todos os lados as procurando para pedir que se calassem. Sussurros e gritos, ofensas que eu não queria e nem precisava ouvir; palavras que me faziam enlouquecer e desejar realmente estar morta.

— Eu não acredito. Eu não acredito no que eu vejo, eu não acredito no que reflete no espelho! Eu acredito no que sou! — Grito. Grito o mais alto que posso, dizendo as verdades que muitas vezes omiti de mim mesma, acreditando nas vozes aleatórias que soavam em minha mente, diversas vezes.

Mas desta vez eu não daria a chance de me ver no chão. Aquela nunca seria a verdade, eu nunca seria um reflexo, e eu sequer deveria me importar com sussurros de pessoas que apenas que me ferir para se sentirem inferiores.

As luzes se apagam, me deixando novamente no escuro assustador; os sussurros se calam, são substituídos por passos. Sinto braços em volta de minha cintura, me puxando para trás, para submergir em águas gélidas que fizeram meu corpo estremecer. Encolho-me, abraçando minhas próprias pernas enquanto meu corpo parece afundar.

Subitamente abro meus olhos, estou de volta a meu quarto e deitada em minha cama. Sentando-me e observo os olhos negros do demônio parado no canto do quarto, me olhando de forma que não podia decifrar o que ele sentia.

Movo a ponta dos dedos, sentindo os mesmos percorrerem as folhas secas do livro onde o demônio podia ser aprisionado. Fecho os olhos e ouço os passos do demônio se aproximando de mim, seus dedos tocam minhas mãos e ele me ajuda a fechar o livro, fazendo com que desaparecesse.

Era como se ele mesmo soubesse que estava colocando a mim em perigo se continuasse ali.

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⏰ Última atualização: Feb 08, 2017 ⏰

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