Introdução

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''Eu só não entendo o porquê de tudo isso... Eu só queria ser, normal''.

Aqui estou eu, retorcendo novamente em minha cama. Sonhando novamente com ele. Em ato de desaprovação comigo mesma... Não sei quem ele é. Por que acontecem?

"Desculpe, mas você não é normal.''

''Não tem solução. ''

''Eu não tenho mais o que fazer a respeito.'' - Dizem.

Todos são iguais. Todos com a mesma resposta, as mesmas perguntas, as mesmas conclusões: ''Não há solução, garota.'' As pessoas me evitam, se afastam. Há muito tempo.

Desde quando fiz 15 anos, esses pesadelos me invadem e me tomam por horas e horas de agonia. A partir de então, minha vida mudou, virou de ponta cabeça. Agora com vinte, perpetuo meus momentos aqui, no meu quarto, vendo minha vida arrastando-se aos pés da minha cama e a morte sentada sobre uma poltrona de tempo apenas esperando-o se corroer.

Desde quando fiz 15 anos, esses tormentos são sempre no mesmo lugar, com o mesmo garoto. Garoto este que jamais vi na vida, jamais. Nunca devaneei seu nome, nunca ouvi sua voz, nunca vi nada além de seu corpo e rosto. Quanto desejava lhe dirigir palavras, lhe dizer frases gentis e conquistar seu afeto, isso estava fora de meu poder. Aos poucos me enlouque.

-O que há de novo, Bethany? - disse forçosamente desejando uma falta de resposta.

-Filh... Joanne? - disse surpresa, sabe que eu não gosto que me chame de filha - O que faz aqui?

-Eu ainda moro nessa casa.

-Não parece. Vive no quarto... - resmungou.

-Só acordei com vontade de mudar a rotina. - respondi abrindo a geladeira e pegando uma garrafa d'agua. - Prefere que eu volte para o quarto como da última vez?

"-Jo, filha, abra a porta. Só queremos conversar. Abra Joanne, abra! - eu sabia o que havia lá fora, quem estava lá. Cansados de médiuns e médicos, eles resolveram apelar para alguém de contatos maiores, alguém que poderia acessar aquilo que se mantém acima de todos nós, ou abaixo. - Filha o Padre Genoom não tem o dia todo. - minha mãe estava realmente convencida de que algum demônio havia se apossado do meu corpo.

-Ela não vai abrir, é melhor me deixar cuidar disso. - meu pai disse grosseiramente. Eu sabia o que viria a seguir: ele arrombaria a porta, me agarraria pelos braços ou pelos cabelos e me obrigaria a fazer mais alguma sessão de libertação inútil. Só foi preciso ouvir o baque que abriu a porta para que eu me escondesse atrás das cortinas cor âmbar do meu quarto. - Não se esconda, vamos logo. - Ele me arrastou até a sala, onde minha mãe chorava na companhia de um lenço fino que lhe interrompia as lágrimas a correr na altura da bochecha, e tal padre que nem faço questão de lembrar o nome me espera com cara de quem havia sido tirado da cama muito cedo.

-Se tens a alma como tens o corpo, será mais fácil dá-la logo ao diabo! - o velho de batina exclamou e o crucifiquei mentalmente por aquilo. Após o tempo que julgaria como meia eternidade, sobejei-me sobre o tapete macio e aconchegante que tomava conta da sala de estar, enquanto buscava forças, ou apenas razões, para confortar uma mínima parte dentro de mim que ardia como o fogo que o sol emana a cento e cinqüenta milhões de quilômetros da Terra.

-Tranque-se no quarto. Demônio. - cambaleei lutando para não me afogar em lágrimas, mas nessas horas, nem se eu soubesse nadar como um campeão olímpico, poderia ser impedida de submergir nas profundezas desse desconhecido."

Lembranças assim lotam facilmente meu armário, e junto com elas, os sonhos. Ambos são inevitáveis. Mesmo que não durma, elas sempre vêem a tona. E os sonhos, ou pensamentos, acontecem mesmo enquanto estou acordada.

...

''Não precisava ser assim.''

- Eu te amo. - ele dizia.

- Eu te amo.

"Você é inútil" - As vozes da minha consciência diziam.

"Inútil, imprestável..." - Repetem.

Às vezes, me sinto como se estivesse me perdendo, me afastando de mim mesma. Sinto correr em minhas veias, pulsando o desejo tão estranho que sempre temi que fosse acontecer. Pois a primeira vez que me rendi a ele, corvos foram mortos, e isso não é uma metáfora.

Eu precisava dele, mesmo não o conhecendo, eu sentia que deveria o amar. Apesar de tudo, apesar de todos.

"Você sabe que quer, deixe-se levar... Facilite". - sussurrou novamente.

Going To Hell // t.l.Onde histórias criam vida. Descubra agora