Distopia

6 1 0
                                    

Maria morava nos arredores do Complexo, no ponto em que os altos prédios se tornavam suntuosas casas que pertenciam apenas aos mais poderosos. O carro sujo que levava os dois soldados contrastou de forma notável com as limpas casas, com altas sebes e jardins que bem cuidados, que recebiam empenho daqueles que moravam no outro lado do Complexo, naquele em que as flores não eram nem um pouco importantes. A casa possuía um belo jardim, com as mais diversas flores possíveis, e uma caminho de pedra que levava a uma porta vermelha que destoava das outras mansões.

          Ignorando a sensação de não pertencimento que aquele lugar exalava, Ian desceu do carro com Fagulha a sua retaguarda, sentindo olhares os acompanhando por trás das cortinas. Ian poucas vezes havia frequentado aquela casa, especialmente em plena luz do dia, e esse fato, estar ali sob os olhares atentos dos vizinhos, não o deixava confortável.

          Ele bateu na porta da casa, exausto pelo dia e impaciente. Quando seu punho estava prestes a se chocar contra a madeira novamente, Gianine, uma mulher na casa de seus 30 anos, de estatura mediana, cabelos curtos e olhos duros, escancarou a porta, lançando um olhar azedo na direção do Tenente, e acentuando ainda mais seu aparente desgosto em revê-lo ao contorcer seus lábios, os enrugando.

          ― O que posso fazer por você, Tenente Mendel? ― ela perguntou, cruzando os braços em frente ao peito, apenas para mostrar sua insatisfação por vê-lo ali. Seu tom de voz ao chamá-lo por seu título apenas mostrava que ela desgostava de seu cargo, o achando indigno de recebê-lo, mas mais indigno ainda para ser seu chamado por seu primeiro nome. Seus olhos desafiadores rolaram de Ian para Fagulha, que se mexia desconfortável em frente a porta.

          ― Vim ver Maria ― Ian respondeu a sua pergunta, atraindo o olhar de Gianine de volta para ele, que ficara encarando por alguns segundos o outro soldado ― É realmente importante.

         Ele acrescentou, mesmo sabendo que sua urgência não importaria para Gianine.

         ―Eu... ― ela olhou novamente entre eles, passando suas mãos trêmulas pelo cabelo. Não era de sua natureza se sentir atraída por um garoto jovem, e por seus cálculos, Fagulha deveria ter seus vinte anos, dez a menos que ela, o suficiente para que a deixasse embaraçada pela forma como se sentia. Apesar de suas tentativas, Gianine não era capaz de se impedir, desejava o garoto Britto, e suas mãos ficavam trêmulas todas as vezes que o via. Buscando retomar o controle, ela se focou na indiferença que sentia pelo Tenente Mendel, assim como sentia por Milla, a garota impertinente que durante anos havia desfilado por sua casa como se fosse a dona, instigando sua mãe a ser ainda mais desagradável e evasiva em suas atitudes. Limpando a garganta e afastando seu embaraço, Gianine estufou o peito e encarou o Tenente, apesar dele ser alguns centímetros mais alto que ela ― Ela está cansada, Tenente. Não sei se você sabe, mas minhas mãe tem 80 anos e ela é....

         ― Cega ― completou Maria de forma dura, sua voz flutuando de dentro da casa, enquanto descia as escadas que levavam até o saguão. Suas mãos finas e enrugadas, seguravam o corrimão das escadas, a guiando para o andar inferior com tamanha destreza que fazia qualquer um desconfiar de sua falta de visão ― Sua sorte, Tenente, é que não sou surda. Caso contrário, minha bela filha, iria expulsá-los de minha casa sem procurar saber qual o assunto de tamanha urgência.

          Ela afirmou.

          Maria, não aparentava nem um dia de sua idade, sua beleza ainda estava presente apesar de todos os anos que haviam se passado. Seus cabelos loiros eram cortados na altura de seus ombros, seus movimentos delicados, parecendo milimetricamente calculados para demonstrar uma suavidade, contrastando com sua personalidade marcante. Sua postura era a de uma mulher decidida, seus passos sem qualquer vacilo e seu sorriso uma mistura de sagacidade e respeito.

A Solução FinalOnde histórias criam vida. Descubra agora