Distopia

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           O Complexo estava agitado e, do lado de fora, o dia finalmente chegara ao fim. Após saírem da casa de Maria, Ian enviara Fagulha ao hospital para substituir Pontaria, assim o outro irmão Britto estaria livre para preencher as partes burocráticas de sua vigia e da vigia de Ian, garantindo que centro de comando soubesse mais sobre a situação do andarilho. De sua janela no 8 ° andar, Ian Mendel era capaz de ver a praça, onde se concentrava a maior parte daqueles que vagavam pelas ruas do Complexo, criando uma agitação pungente em frente a Igreja, que ainda era chamada daquela forma apenas por ironia, já que o prédio não servia para aquela finalidade a muito tempo.

         Ian tirou a foto de seu bolso pela milésima vez apenas naquela última hora. Os olhos verde oliva queimavam sua mente, mesmo quando envoltos entre as dobras de sua calça o forçando a encará-los novamente. Seus pés estavam descalços e sentando em sua pequena cama, ele observava a fotografia com a luz que provinha dos postes do lado de fora. Aquela garota que segurava em suas mãos não era quem estavam procurando, mas por alguma razão Milla a tinha achado importante o bastante para chamá-lo e, se dependesse de seu esforço, partiria ainda aquela noite em busca de respostas.

          Musgo, seu gato preto de olhos verdes, estava empoleirado à janela. O felino não era um grande frequentador do quarto de Ian, contudo, se via obrigado a fazer algumas aparições quando Milla estava fora,  como naquele dia, vagando  por aquele espaço,  apesar de não preferi-lo. Por um estranho motivo que Ian desconhecia, Musgo sempre parecia retornar  quando Ian estava solitário, parecendo sentir a aflição de seu dono.

        O quarto era adornado com poucas coisas, entre elas uma cama de solteiro, alguns livros empilhados pelo chão, uma cômoda com suas poucas roupas que tendiam a ser pretas, brancas e cinzas; e uma ducha no canto contrário a janela, uma pequena comodidade, enquanto o banheiro era dividido por todos na primeira porta do corredor. Ali pouca coisa lembrava um lar, contudo, para Ian bastava, já que nunca tivera muito. O vazio não lhe assustava, e a ideia de permanecer em lugar por muito tempo lhe parecia estranha, já que sua condição nunca o permitira o contrário. Seus anos no Complexo, em sua opinião, estavam chegando ao fim, e mesmo precisando deixar algumas pessoas para trás, pela primeira vez  sentia que era errado.

            Uma batida na porta o obrigou a sair de seu estado de torpor. Dando mais uma olhada para a fotografia da garota, Ian a guardou no bolso de sua farda, antes de abrir a porta, deixando que a luz do corredor iluminasse seu quarto.

            ― O que você está fazendo aqui?

           Ele indagou vendo Vitória, que carregava em suas mãos um prato coberto, o qual continha o jantar de Ian.

           ― A mãe dos garotos mandou ― ela falou docemente, se referindo a  Débora, mãe de Fagulha e Pontaria, que em troca de algum dinheiro, preparava as refeições do Tenente. Naquela tarde ele havia se esquecido completamente de fazer qualquer refeição, mesmo seu estômago tendo reclamado algumas vezes durante a vigia. Sua fome,  ao sentir o odor que provinha do prato, retornou com uma voracidade impressionante.

             ― Obrigado ― ele agradeceu, apanhando o prato de suas mãos, se arrependendo por faltar de forma tão brusca com ela. Para ele Vitória era apenas uma menina, já com seus 21 anos, mas ainda um menina que ele salvara da morte.

             Ela havia vivido toda sua vida fora do Complexo. Ian a resgatara a alguns meses atrás, quando seu pai, sua mãe e ela, se locomoviam por uma estrada a alguns quilômetros ao oeste, e desde então, após o falecimento de seus pais, ela vivia sob os cuidados da família Britto. Ian era ciente da afeição demasiada que a garota nutria por ele, permitindo que ela o visitasse e insinuasse seus sentimentos, enquanto ele optava pelo silêncio. Contudo, seu silêncio, mas não sua indiferença, tinham um propósito. Enquanto Vitória gostasse dele, a garota não aceitaria os avanços de Alex, o que o tranquilizava, já que se envolver com o filho do Coronel não era algo que desejava para ela. Vitória era uma boa garota, mas os sentimentos de Ian não eram os mesmos. Após ser o culpado por diversos corações partidos, quando ainda jovem, Ian tomara a decisão de não magoar mais ninguém, não se pudesse evitar. Aquela situação, o fato de Vitória gostar dele demasiadamente, o deixava triste, porque sabia que em algum ponto iria machucá-la mais do que desejava.

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