¨Eu amo esse nome¨

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    Primeiro tenho que sair aqui do quarto, pois seria embaraçoso alguém me ver. Imagino o desespero que seria para eles ver um estranho de repente dentro de casa. Abro a janela e desço pela calha. Atravesso a rua e sento no banco de praça posto na calçada. Preciso estabelecer um plano. Como me aproximar da minha família sendo um desconhecido? Tenho que conseguir responder essa pergunta o quanto antes, visto que não sei quanto tempo terei aqui.

    Ando em direção a porta da minha casa. Desde que me lembro, minha casa sempre teve um quarto desocupado. Decido pedir moradia. Sei que pode não dar certo, mesmo assim preciso, no mínimo, vê-los. Minha mãe sempre foi uma mulher gentil e caridosa, imagino que ela não negaria ajuda para alguém necessitado. Escuto passos.

    A maçaneta gira em sentido horário e a porta se abre. Deslumbro minha mãe. Seus cabelos castanhos estão presos para trás e sua franja está posta atrás da orelha direita. Ela olha para mim e me cumprimenta. Não consigo responder nada, apenas tento segurar a lágrima que insiste em cair.

  — Desculpa incomodá-la. — As lágrimas deslizam pelo meu rosto. — Eu preciso de ajuda.

    Vejo que ela mostra sensibilidade.

  — Ai meu Deus, você está chorando. O que aconteceu? — Penso no que responder e quando estou prestes a falar, sou interrompido. — Entra. Vou preparar um chá pra você enquanto me diz o que houve. 

    Ela pede para que eu sente no sofá enquanto prepara o chá. Analiso a sala. Não lembrava que tinha mudado tanto. A estante que vejo irá ser substituída por um pequeno rack, a tv também será substituída por uma maior e o carpete não será mais esse marrom. Meu outro eu deve estar em torno dos dez anos, então, até o acidente ainda faltam cinco. Minha mãe volta com o chá.

  — Bebe, meu filho e me diz o que está acontecendo com você.

    É como se ela tivesse me dado uma martelada no coração. Sei que sempre teve essa mania de falar "meu filho" para todos, mas dessa vez me dói profundamente. Assopro o chá e o bebo.

— Olha, meu nome é Kate. E o seu?
— Josh — respondo quando vejo que a xícara em minhas mãos já está vazia.
— Eu amo esse nome. É o nome do meu filho, sabia? — Disfarço um sorriso com sua questão. —Bom, pode confiar em mim. Me conta o que houve.

— Eu preciso de um lugar para passar um tempo. Sabe dizer se por aqui alguém tem um quarto vago ou se existe algum orfanato, ou qualquer outro lugar que possa me acolher? 
— Não sei, mas... O que houve com a sua casa?

— Eu saí da minha cidade. Não estava aguentando viver naquele lugar mais.

— E por que não?
— Por que todos tinham pena de mim. — É a única resposta que surge em minha mente. Decido usar minha verdadeira história para tocá-la. — Perdi meus pais e meu irmão em um acidente de barco.

    Ela me olha com compaixão.

— Sinto muito. Quando foi isso?
— Faz uns três anos.  

    Começo a lembrar de tudo o que aconteceu naquele dia, mesmo que eu não queira. Lembro de estarmos no barco dos amigos dos meus pais e de todos estarem muito bêbados, com exceção da minha mãe que estava amamentando meu irmãozinho e eu por ser menor de idade. Lembro de ouvir um grito e um barulho. Quando me dei conta já estava na água. Meu corpo descendo e a superfície ficando cada vez mais distante, até que decidi reagir. Consegui subir.

O barco havia afundado e eu não via mais ninguém. Me agarrei em uma rocha para respirar um pouco e procurei incansavelmente pela minha família. Mergulhava, procurava, nadava e voltava para a rocha. Fiz isso por quase uma hora até não estar aguentando mais. A única coisa que achei foi o celular da minha mãe boiando e a manta do meu irmãozinho flutuando na água. Mãe, pai - gritava sem parar. Estava me afogando nas minhas lágrimas até que um outro barco surgiu e me resgatou, algumas horas após tudo ter acontecido.

— E você não tem nenhum outro familiar? —  Sua questão me desperta das lembranças.

— Eu morava com uma tia, mas não era uma boa companhia. —  Realmente moro com minha tia, porém minto sobre ela não ser uma boa companhia. Não sei o que seria de mim sem ela.

—  Josh, eu vou fazer o seguinte. Tem um quarto vago aqui em casa. Fica aqui hoje e quando o meu marido chegar, converso com ele. Se ele concordar, você poderá ficar aqui um tempo. Até achar um lugar melhor. Tudo bem?
— Tudo bem! 

    Respiro aliviado. Não acredito que pode ter dado certo. Não acredito que estou perante a minha mãe.

De Volta No TempoOnde histórias criam vida. Descubra agora