CARATERLÓPOLIS

Moro na cidade de Cheiralópolis, em outro país, em um universo muito parecido com o seu. Aqui a grama é mais viva, a água mais cristalina, e o sol tem um aroma doce. Aqui, a coisa mais importante do mundo são os cheiros.

É como elogiamos as pessoas, como as cumprimentamos, como demonstramos nossos sentimentos. Calma, eu explico. Por exemplo, se você quiser dizer que ama alguém, então cheire essa pessoa enquanto a estiver abraçando. Se quiser fazer um elogio, de duas cheiradas fortes no ar, próximo a essa pessoa, sorrindo. E se quiser dizer que está chateado, basta soltar o ar pelo nariz, como se aquela situação tivesse um cheiro muito, muito ruim.

Viu, não é tão complicado, e é assim que eu vivo, desde que nasci. Enfim... Hoje de manhã estávamos conversando, eu e minha família, sobre como nossos dias seriam. Fazemos isso sempre que temos algum tempo de sobra, e conversando minha mãe citou uma garota, a Pepita.

– Aquela garota não cheira, tadinha. – Disse meu pai contorcendo o nariz.

– É verdade – concordei na mesma hora – não cheira!

E ele olhou rapidamente para mim e balançou a cabeça para os lados duas vezes.

– É, não cheira...

Não ouvi mais nada do resto daquela conversa. O jeito que meu pai havia olhado pra mim, balançando a cabeça e dizendo, vagaroso, '' É, não cheira...''. Aquelas palavras tinham um cheiro a mais, um mistério escondido, e que não era agradável. Por que a impressão que eu tive foi que, naquele olhar, estava implícito a frase ''Você também não cheira, querida.'' Fiquei pensando nisso por alguns momentos.

Então quer dizer que eu não cheirava? E porque não? Eu fazia tudo direitinho, era simpática, cortes, e tudo o mais, o que é que... Espere. Não acredito que... É, talvez seja por isso. É que eu não tenho namorado.

Aqui em Cheiralópolis, todo mundo sabe, as garotas mais cheirosas, e os garotos mais aromáticos, arranjam logo namorados e namoradas, não há como escapar. Mesmo antigamente, quando os costumes eram mais rígidos, minha mãe disse que era difícil ficar solteira sendo uma das Cheirosas.

– Foi difícil escolher, filha, mas depois que conheci seu pai ... Ele tinha um aroma único!

Então, talvez essa seja a explicação para aquele olhar. Todas as minhas amigas já estavam recebendo toneladas de elogios e flertes, mas eu não, ou pelo menos eu nunca notei, e acho que meus pais também não notaram.

Mas eu ainda era cheirosa não era? Bem, poderia ser, talvez... Porque meu cheiro deve ser medido apenas pelo nariz dos garotos? Isso não é justo. E quanto ao nariz das crianças, dos idosos, dos passarinhos, e dos amigos, que tanto me amam?

Quer saber, eu sou cheirosa sim, sei disso, e se ninguém nessa cidadelade Cheiralópolis concordar comigo, eu me mudo para uma das cidades vizinhas.Caraterlópolis quem sabe.