Parte l - A Iniciação; Capítulo 1

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— Andem, meninas! Senão nos atrasaremos para nosso primeiro dia de férias.— As palavras de Ícaro ecoaram nas paredes do corredor da casa na quente tarde de verão. Ele tinha um leve sorriso no rosto. Não queria de maneira alguma apressar ninguém, mas a agitação da esperada viagem o pressionara a dizer qualquer coisa.

— Você não sabe que é falta de educação apressar uma dama?— disse Cristie, de apenas sete anos. Seu nome, Cristhianna, era uma mistura entre os nomes dos avós por parte de mãe, Cristhopher e Anna. A ideia não agradava muito ao pai. A criança já tinha os grandes olhos verdes, cabelo longo e escuro, queixo curto e nariz arrebitado herdados de sua mãe. O homem gostaria que, pelo menos, o nome pudesse ter vindo dele.

— Sei, muito bem!— disse o sujeito num tom debochado, recordando de como Sarah se irritava quando a pressionava.— Mas pense bem: quanto mais tempo ficarmos aqui, menos aproveitaremos aquela maravilhosa ilha com suas cachoeiras, parques...— pausa dramática— Sereias...

— Sereias?!— A pequena arregalou os olhos direcionando-os ao pai, interrompendo imediatamente o que estava fazendo.

— Ícaro!— censurou Sarah com um olhar que misturava desaprovação com bom humor.— Não encha a menina de esperanças. Nesta ilha não tem sereias, esqueceu?— Sarah piscou o olho para o marido em tom de cumplicidade.

— Puxa! É verdade, querida... Havia me esquecido que nesta ilha não tem sereias! Mas eu prometo que no próximo verão iremos a um lugar repleto de sereias, fadas e tudo mais.— Ícaro tentou se redimir como pôde. Tinha em mente que se sua filha não encontrasse a sereia prometida, a ilha seria riscada do mapa, sob as lágrimas da pequena Cristie.

— Ok, papai...— A pequena olhou para baixo em profundo desalento e continuou a guardar suas bonecas para a viagem enquanto Sarah se aproximou e lhe fez cócegas, fazendo-a esquecer da notícia que acabara de ter enquanto desdobrava-se em gargalhadas.

Ícaro observava como as duas se davam incrivelmente bem. Revezavam nas escovações de cabelo, brincavam de completar a frase da outra, Sarah nunca deixava de ajudá-la nas lições de casa e, por final, contava histórias de ninar. Nesse momento, o homem encarava o fato de que elas eram, afastadas pela idade, uma a cópia da outra. Talvez Ícaro nunca fosse completar uma como a outra o fazia. Aquilo o atormentava ao mesmo que o agradava.

Certa vez no shopping, a pequena insistiu que deveria ganhar uma bexiga. Após o pai negar, nada foi capaz de conter os berros da garota. Sarah agachou-se lentamente e cochichou algo em seu ouvido. Poucos instantes depois, a menina estava calma e compreensiva. Deu um forte abraço em seu pai e pediu-lhe desculpas. 'Eu só disse que você a amava... E que um dia iria levá-la para conhecer as sereias!'. Sarah se encolheu para segurar o riso frouxo. Ícaro esperava que Cristie se esquecesse da promessa.

Mas ela não esqueceu.

— Já estou quase pronta, papai! Só preciso pegar Gary e Jery e podemos ir!— Correu em direção ao quarto para apanhar seus dois ursinhos de pelúcia, unicamente diferenciados pela cor. Um roxo e um verde. Eram irmãos, segundo a criança.

Nesse momento, Sarah terminou de preencher sua nécessaire com um montante excessivo de maquiagem que não chegaria a utilizar metade. Era vaidosa, porém o homem vivia dizendo que a maquiagem apenas ofuscava o brilho de seus olhos verdes. Ela se aproximou de Ícaro com um sorriso leve. Sentou do seu lado e abraçou o sujeito, que estava afundado no sofá, esperando.

— Você não leva jeito com mulheres, não é mesmo?— Ela abriu os lábios mostrando os alvos dentes.

— Talvez eu tenha mais dificuldade com essa aí do que tive com você.— Ele desabrochou um sorriso cansado, evidenciando algumas rugas na testa.

A Sereia de Santa MurgenOnde histórias criam vida. Descubra agora