A porta de madeira raspou no chão, produzindo um ruído agudo, quando Ícaro a abriu. O cheiro doce de erva foi o primeiro convite ao homem para entrar naquele covil. Do lado de dentro do pequeno cômodo estavam quatro homens. Mirko, sentado em uma grande almofada preta no chão, o único móvel do cômodo, enquanto os outros três estavam de pé, onde dois ladeavam a porta e outro com um pequeno cigarro marrom observava com atenção a solitária janela do quartinho. Todos tinham revólveres nas mãos, exceto Mirko, que expunha o seu na cintura.
- Que que tu manda hoje, Ítalo? - disse Mirko coçando o peito a mostra pela camisa desabotoada.
- Mirko. Boa noite.
- Tá, tá. Que que cê manda?
- Bom... Vai ser... - Ícaro foi interrompido por Mirko.
- Porra, Cuco! Passa pra cá! Eu que arrumo essa porra toda e não fumo, caralho?! - Disse olhando para o homem de guarda na janela.
- Foi mal, Mirko. Toma aí. - Tirando o cigarrinho da boca, entregou para o homem sentado.
- Onde a gente parou, Ítalo?
Ícaro mordeu a parte interna de seu lábio inferior. Ele tem o que você quer. Relaxa.
- Cinco - uma pausa -, por favor.
Mirko tragou a maconha, analisou Ícaro dos pés a cabeça e riu.
- Tu merece um cartão fidelidade, cara. - todos riram sonoramente da piada, inclusive Ícaro, que forçou uma gargalhada. - Ozzy, vai lá buscar, vai. - O sujeito do lado da porta virou-se e saiu por ela ainda rindo. - Ítalo, dá uma chegada aqui. - Os risos morreram aos poucos por conta do tom sério na voz de Mirko.
Ícaro arriscou um passo sem graça adiante, olhando fixamente para o homem.
- Senta aqui do meu lado. - Tragando novamente a maconha, Mirko se ajeitou no puff liberando espaço para Ícaro que sentiu o suor frio na testa. Tentou controlar-se para não evidenciar as mãos trêmulas. Deus mais uns passos e sentou-se ao lado do traficante. A grande almofada não era tão fofa quanto parecia e a tensão não ajudava em nada para fazer Ícaro se sentir mais a vontade. Sua postura lembrava a de alguém que aguarda para ser atendido enquanto outro paciente grita dolorosamente dentro do consultório do dentista.
Puxa aí, você tá meio tenso. - Mirko estendeu as mãos cobertas de feridas com o baseado para Ícaro.
Ícaro pegou o fumo e olhou para o homem ao seu lado que devolveu com uma expressão inflexível. Com isso, levou à boca e tragou profundamente, desejando poder baforar para fora não só a fumaça, mas também os tremores e aflições.
- Deixa eu te pagar de uma vez... - Virou-se mais rápido do que gostaria para pegar a carteira e foi novamente interrompido.
- Uou, uou, uou! - Mirko segurava o cabo do revólver com uma mão e apertava o ombro de Ícaro com a outra. - Mais devagar. - Ícaro arregalou os olhos. - Camarada.
- Ah, desculpe. - Pegou a carteira lentamente e mostrou para Mirko.
- Isso pode esperar. Tenho assuntos mais interessantes contigo. O negócio é seguinte, Ítalo: Tô querendo trazer uma parada nova pra gente aí. Semana que vem, deve chegar na terça-feira. - O hálito acre de Mirko fez os olhos de Ícaro lacrimejarem. - Um chegado meu que tá fazendo. Eu já experimentei e, vai por mim, é da boa. Injetável, a fórmula é segredo da casa, mas leva heroína também.
- Hum. Deve ser...
- É, é. - continuou sem dar ouvidos. - Então, conto com você. Esteja aqui.
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A Sereia de Santa Murgen
Bí ẩn / Giật gânMeses após o misterioso sequestro de sua esposa, Ícaro decide que chegou o momento de seguir em frente com a viagem planejada em família. Ele e a pequena filha, Cristie, embarcam ilegalmente rumo à ilha de Santa Murgen. Porém, para o pai, a vi...