Capítulo 1 - Sonho

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O trânsito não estava contribuindo nada. Há mais de trinta minutos estávamos no mesmo quarteirão nos arrastando cinco metros ou dez, quando tínhamos sorte. As buzinas cantavam descontroladamente e o calor era basicamente insuportável, assim como a mistura dos aromas ao meu redor. Se eu desmaiasse, não seria surpresa alguma.

O motorista não tinha uma cara muito amigável, mas eu não o culpava. Eram quase sete da noite, ele deve ter passado o dia dirigindo e estar com tanta vontade de ir para casa quanto eu. O ônibus estava absolutamente abarrotado!

De qualquer forma, eu deveria estar radiante. Não, não por estar em um ônibus lotado no trânsito infernal de São Paulo, mas por que passei a manhã (e boa parte da tarde) no estúdio do Jonas gravando a minha única chance real de ser contratada por uma gravadora.

Ah, Jonas!

Ele me conhecia desde criança quando nos apresentamos no concurso de talentos da escola. Eu estava nervosa e ele me acalmou. Desde então, não desgrudamos mais um do outro. Como amigos, é claro. Para meu desfortuno, ele só me via assim: como amiga.

Essa música era a minha chance de alavancar minha carreira de vez! Ter 21 anos e nenhuma profissão definida não era exatamente o sonho de consumo da minha mãe para sua filha "desajuizada", como ela mesma me chamava.

Para eu ter alguma chance de não enlouquecer, ela achava que desisti de ser cantora dois anos atrás quando um produtor me disse a frase mais marcante da minha vida: "Não importa quanto sua voz é bonita. Ninguém quer ver uma gorda no palco.".

Aquilo doeu. Muito.

Mas, Jonas começou a me conseguir algumas noites em barzinhos nos fins de semana. Tudo escondido da minha mãe. E com a ajuda dele e da Mila superei.

Ok, não superei tanto assim, mas pelo menos estava trabalhando com o que amo. E agora eu tinha a oportunidade da minha vida!

Rob, um famoso produtor brasileiro que fez sucesso com a carreira internacional, estava de volta ao Brasil e recebendo demos de novos cantores.

Dessa vez ia dar certo. Tinha que dar!

Coloquei minha alma naquela música. No exato instante em que a compus pude ver a multidão com seus isqueiros e celulares acesos cantando comigo. A multidão...

O ônibus deu um solavanco de repente! Fui arremessada para frente e quase caí no colo de um velhinho. Ele não pareceu muito incomodado enquanto deslizava a mão sobre meus joelhos.

Como eu amo calças jeans!

– Motorista, abre a porta, por favor. – pedi.

Ele bufou não muito feliz, mas abriu a porta.

E daí que eu teria que andar sete quarteirões até a faculdade? Chegar suada e descabelada nas aulas não era exatamente uma novidade. Sempre acontecia algo para eu chegar como se tivesse sido atropelada por uma manada de antílopes. Mila me disse que uma vez ouviu um garoto do curso de Contabilidade, que compartilhava algumas matérias conosco, me chamar de "a zumbi da Administração". Mais um pouco e viro lenda urbana!

Uma buzina alta soou quando fui atravessar a rua e uma moto maníaca vinda sabe-se lá de onde passou a milímetros de mim. Minhas pernas tremiam graças ao susto. Acho que o motorista da frente se compadeceu com o terror em meu rosto e me deixou passar.

Devaneios de uma famosa em apurosOnde histórias criam vida. Descubra agora