CAPÍTULO 4 - LIGANDO OS PONTOS

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O sol já iluminava o quarto quando Clara acordou. Olhou para a cama ao lado e viu que Mirela já não estava ali, mas em frente à porta do armário terminando de calçar as botas.

— Bom dia. — disse a moça, endireitando-se e prendendo os cabelos em uma trança.

Mirela tinha cabelos loiros e lisos, olhos azuis e uma pele cheia de sardas que talvez tenham se instalado ali devido ao sol, contrastando com as calças e blusa preta que trajava. Tinha uma cicatriz do lado direito do rosto que ia da altura das bochechas até quase o queixo e pelo vermelho vivo que ainda a delineava, Clara teve a certeza que era recente. Ela era alta e magra, porém, viam-se claramente músculos em seus braços além de mãos cheias de calos e pequenas cicatrizes. Trazia também algumas argolas na orelha esquerda e uma no nariz o que lhe conferia um ar mais selvagem e ameaçador.

— Bom dia. — respondeu Clara, sentando-se na cama enquanto deslizava os dedos pelo corte na base de sua cabeça que ainda a incomodava.

— Ainda está doendo, não é? Deixe-me dar uma olhada. — O tom empregado pela companheira maia parecia uma ordem. — Estão secos. A Nana fez um ótimo trabalho. Acho que nem o Dr. Rezende seria capaz de algo tão perfeito. — E endireitando-se, disse, ou melhor, ordenou: — Venha, vamos comer alguma coisa. Você deve estar morrendo de fome.

As duas cruzaram o estreito e longo corredor, misturando-se à massa que seguia na mesma direção. Estar no meio de tanta gente a deixava aturdida, fazendo com que Clara se sentisse extremamente desconfortável e exposta. Aliás, sentir-se exposta era um sentimento inexplicavelmente desagradável para ela. Tinha a plena certeza de que preferia passar despercebida.

— Por que você inventou aquela história sobre ser a sua prima? — perguntou em voz baixa enquanto desciam um lance de escadas.

— Foi a única coisa que me ocorreu para que você não fosse morta imediatamente. — respondeu a loira, de forma dura. — Com aquela confusão toda e você ali, os guardas nem iriam pensar duas vezes antes de atirar primeiro e perguntar depois.

— Neste caso...obrigada.

— Não fiz isto por você. Fiz porque a Nana me pediu.

Naquele momento, cruzavam por grandes portas no final de um corredor que davam para um salão, com longas mesas de metal enfileiradas, ocupadas por pessoas comendo e conversando. O burburinho de vozes era tão alto que Clara quase não conseguia ouvir o que Mirela estava dizendo.

A outra garota a conduziu para uma fila que levava a uma espécie de estação onde outras pessoas entregavam bandejas. Ali, Clara pode observar que o refeitório possuía janelas estreitas no alto de uma parede ao fundo que, como os demais locais por onde tinha passado, também estavam descascadas e com marcas de bolor.

— Você sabe como eu cheguei aqui? — indagou lançando a primeira pergunta da série interminável que habitavam sua mente, ainda falando baixo próximo ao ouvido de Mirela com medo de que alguém a ouvisse.

— Quando os alarmes começaram a soar e cheguei no pátio, achei estranho a Nana não estar lá. Uma pessoa me disse que a tinha visto ir para os abrigos do subsolo e depois de muito procurar, a ouvi gritando de dentro de um dos quartos. Então ela me disse que você tinha sido encontrada pelo Daniel, que estava ferida, não se lembrava de nada e a havia prendido ali, provavelmente tentando fugir. — explicou Mirela, enquanto andavam na fila, sem olhar para Clara. — E então me pediu para ir atrás de você.

— E como você me achou?

— Sinceramente? Pura sorte...Tentei pensar como alguém que não conhece a nossa Célula e que estivesse tentando fugir.

Por onde ela esteve? DEGUSTAÇÃOOnde histórias criam vida. Descubra agora