CAPÍTULO 9 - AO AMANHECER

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Após as notícias de Gaspar e visão de Marisol, dormir se tornou uma missão quase impossível para Clara. Cansada de se debater na cama, levantou aos primeiros raios tímidos de mais uma manhã quente. Com o arco e a aljava, cruzou os corredores em direção a uma sala não muito utilizada, num canto remoto do prédio, que encontrara durante suas andanças pela Célula. Ali, poderia praticar sem ser interrompida.

Abriu a porta sem fazer nenhum ruído, mas para sua surpresa, já havia alguém lá treinando socos e chutes em um enorme saco de areia pendurado. Com a pouca claridade vinda das janelas no alto da parede, Clara não pode evitar admirar o lutador. De costas para ela, era possível ver os músculos trabalhando a cada golpe, movendo-se, hipnotizando Clara. Como seria senti-los sob seus dedos? Um arrepio fez os pelos da nuca ficarem em pé ao imaginar-se fazendo exatamente o que desejava. O subir e descer de tendões e fibras, o calor, até mesmo as ondulações das cicatrizes, ora compridas, ora redondas. Tiros, talvez? Clara se pegou desejando sentir cada milímetro de pele com pele.

Com grande esforço, voltou a si e já estava prestes a ir embora tão silenciosamente quanto chegara, quando sua voz a deteve. Ainda de costas, Daniel perguntou:

— Também não conseguiu dormir direito?

— Eu...Você tem olhos atrás da cabeça? — Não havia feito nenhum barulho, disso estava certa!

Com uma pequena gargalhada, Daniel se virou, olhando-a divertido. Uau! Ele tinha consciência de seu sorriso matador? Clara pensou de quantas formas diferentes Daniel poderia mata-la...Umas mil, no mínimo. Os olhos de Clara desceram do rosto para o peito magro, porém, definido, brilhando sob a luz suave. Como as costas, havia algumas cicatrizes ali também e logo ela já se imaginava tendo-o sob seus dedos também. O coração começou a apostar corrida com o sangue. Quem corria mais rápido agora? De quantas maneira ele poderia mata-la? Mil? Corrigindo: mil e uma.

— Eu só queria treinar um pouco em um lugar sossegado, mas acho que esse pedaço já tem dono. — forçou-se a dizer, pronta para sair dali enquanto ainda havia vida em seu corpo.

— Não! — Pela primeira vez, ela o viu agitar-se brevemente para logo depois retomar a calma, voltando a falar num tom mais baixo: — Pode ficar. Tem bastante espaço para nós dois. Eu ficaria preocupado se você estivesse com uma arma, mas com isso... — E ele apontou com o queixo direção ao arco que ela carregava. — Acho que posso respirar aliviado, certo?

Clara riu, divertida e de nervoso. Então ele também podia ser engraçado? Mil e duas maneiras. E scoresubindo...

— Não posso nem sentir mais o cheiro de pólvora... — ela respondeu, entrando no salão e fechando a porta atrás de si.

Com passos decididos foi até o outro lado e arrumou o que parecia ser uma antiga porta encostada contra a parede. Voltou para o meio do cômodo e pegando uma flecha da aljava, posicionou-se para atirar. Enquanto se concentrava na mira, percebeu pelo canto dos olhos que ele não havia retomado seus exercícios, limitando-se a olhá-la com curiosidade. Clara fechou os olhos, respirou fundo e soltou a primeira flecha, acertando o centro do alvo improvisado.

— Você é muito boa nisso. — disse ele, aproximando-se. — Um tanto incomum... Onde aprendeu? — Clara apenas deu de ombros o que o fez olhar para o chão, embaraçado. — Desculpe. Pensei que você talvez tivesse se lembrado de algo.

— Não. — mentiu, também olhando para o chão. Não queria dizer a ele que se lembrava de um pequeno fragmento da noite em que ele a salvara.

Clara abaixou o arco e o pescoço, com vida própria, a obrigou a encará-lo. Seus olhos negros, com pequenos pontos brilhantes, a lembravam uma noite estrelada. Daniel também a fitava enquanto desenrolava as faixas que trazia amarradas nos punhos e com uma pontada de preocupação, indagou:

Por onde ela esteve? DEGUSTAÇÃOOnde histórias criam vida. Descubra agora