-II-

110 23 16
                                    

-II-

- Minha família não tem muito, mas palavra não é coisa que falte a nenhum de nós. - Sillas batia o caneco na mesa.

- Deixe de troça que ninguém crê nisto, Sillas. És meu cunhado, sei bem a fama da família.

- Foi um casamento de sangue, vi com meus próprios olhos. Com lábios banhados em sangue, eles se beijaram. Ela olhou dentro dos meus olhos e sorriu.

- Sabemos que o conde tem apreço por ti. - O homem chamado Fausto diminuiu o tom da voz para continuar, pois o medo já o dominava antes de proferir a palavra. - Tome este conselho, Sillas. A piedade dele acabará quando souber que és tu que estás a espalhar que a senhora dele é bruxa.

- Falo a verdade! - disse Sillas, cuspindo o vinho pago com as moedas do duque.

- A mulher é filha de um curandeiro. Uma desgraçada de cabelos daquela cor do demônio. Sem essa história que inventas, a senhora Agnes já vai enfrentar a ira de gente poderosa por demais. E se tudo o que dissestes for verdade, ela já é nossa soberana. Não invoque o ódio daquele que te alimenta.

- Temo que sejamos nós a enfrentar alguma coisa, Fausto... - Sillas adotara um olhar infantil, assustado, e se não fosse o vinho escorrendo por seu rosto, seria fácil acreditar que era uma criança. - Ela segurava um crucifixo e ele sangrava-lhe a pele. Beijaram-se em sangue. Ela e o conde. Se isso não é bruxaria...

- Escute, porco egoísta. A generosidade do conde vai além da compreensão. Tu entras e sais daquele castelo como um lorde e ganha mais ouro que todos daqui. Tua família precisa deste ouro, meu filho não melhora da praga e tua irmã nunca vai perdoar-te se perdemos isto por conta de tuas histórias. Há muitas bocas para alimentarmos nesta família, Sillas. Esqueça o que viu. - Fausto arrancou a bolsa de moedas da mão de Sillas com força. - Levanta-te - ele disse com olhos estreitos, observando todos ao redor. - Vou levar-te para tua mulher calar esta boca imunda, pois temo fazê-lo em breve.

- Dê-me meu ouro e saia de minha fronte, Fausto. - Sillas levantou-se cambaleante.

Fausto jogou a bolsa aos pés de Sillas espalhando as moedas e atraindo a atenção de todos. Disse pausadamente com uma mágoa de anos aflorada: - Quero ver os filhos de meus filhos, se não desejas isto, ao menos tenhas a dignidade de não me impedir.

- Ela é uma bruxa - Sillas murmurou, mas o silêncio do local e toda a atenção voltada para a discussão dos dois garantiram que todos na taverna o ouvissem.

Um sino tocou uma vez e todos ficaram imóveis. Ele tocou uma segunda vez e, quando estava certo que não ressoaria uma vez mais, alguns dos presentes levantaram as canecas ao alto. Aquilo significava uma coisa, alguém nascia ou morria no castelo. Não havendo senhoras grávidas, era certa a visita da morte naquela noite.


Veias Abertas Não Sangram Para SempreOnde histórias criam vida. Descubra agora