"Talvez você esteja pensando que vai ler sobre alguma reflexão sobre a vida ou coisa do tipo, não é?! Mas na verdade eu quero te contar uma história."
Encontrava-me aproximadamente às 15:20 de algum dia da última semana do mês de Fevereiro de 2012. Não lembro o dia exato, mas não dá pra esquecer o motivo. Era treinamento para incorporação nas fileiras do Exército Brasileiro, onde meus colegas e eu formávamos colunas diante o portão de entrada do quartel.
O sol era forte e castigante, alguém lá na frente (algum Capitão aloprado) gritava como um louco. A intenção era nos convencer de que a melhor escolha seria a de desistir e voltar pra casa.
Como qualquer outra coisa no quartel, se não ficou bom na primeira vez, você é obrigado a repetir até alcançar a perfeição. Logo, aquele treinamento se tornou interminável e o sol parecia ter um controle remoto que alguém insistia em "aumentar o volume".
Juntando o cansaço com a falta de costume, coube a mim ser o "destaque" daquela tarde. Não estou falando do meu rosto estranho que chamava atenção, mas sim do que eu estava por sentir.
Eu era o sexto ou sétimo recruta da coluna e comecei a sentir formigamento nas mãos. Logo, uma música começou a tocar no fundo. Parecia ópera, e os instrutores que não paravam de gritar passavam na minha vista embaçada fazendo gestos com as mãos. Uma verdadeira orquestra na minha cabeça confusa.
O formigamento não bastou e eis que eu me deparei com uma mancha escura vindo em minha direção. Demorei alguns segundos pra entender que a tal mancha escura tratava-se da minha vista escurecendo. Eu já não conseguia enxergar os instrutores, apenas um ou dois companheiros que estavam na minha frente, dos quais eu fixava a vista na nuca deles.
De repente, Bahhhhh!!!
Acho que não consigo explicar como foi rápido e suave. Consegui me manter acordado enquanto caía até um pouco antes dos meus braços tocarem o chão. Depois disso sobrou a ópera, que dessa vez estava um pouco mais alta, e lenta.
Por incrível que pareça eu não estava 100% desacordado. Apenas não conseguia enxergar nada, muito menos mexer meu corpo, mas senti que alguém teria me pegado no braço e me carregado pra algum lugar. Talvez eu poderia terminar aqui, afirmando que essa foi a sensação mais doce da minha vida, mas ainda não cheguei lá.
Tal lugar era justamente onde eu passaria boa parte de minha vida como militar. Tratava-se de uma sala onde ficam os soldados quando estão de serviço. Ao abrir os olhos e retomar a vista, encontrava-me deitado no chão e com as pernas estiradas pra cima (Alguém tentava me reanimar). Provavelmente a mesma pessoa que pegou nos braços e me carregou até esta sala.
Fazendo o que qualquer outra pessoa faria, passei o olho nos detalhes da sala. Lá encontravam-se alguns soldados antigos que faziam o serviço de guarda naquele dia, uma mesa onde um sargento olhava pra minha cara e falava algumas besteiras e um cabide cheio de fuzis. Nessa altura do campeonato eu nem lembrava da ópera, apenas admirava o que havia acabado de descobrir.
Não sei o que me deu, não tenho certeza se me assustei com as armas ou se não suportava os gritos que ouvia, mas por um segundo eu olhei entre minhas pernas e vi que o treinamento já estava quase encerrado e meus companheiros já estavam marchando em direção ao alojamento.
De repente... Ohhhhhh!!!
A ópera vinha do fundo, como se falasse comigo. Juro que pela primeira vez na minha vida acreditei estar morrendo, pois não tinha conhecimento de alguém que teria desmaiado duas vezes seguidas. Isso não poderia ser normal. Enfim, apaguei mais uma vez.
A última coisa que me lembro antes de apagar novamente é dos passos que meus amigos davam enquanto marchavam. Todos usavam camisas branca e era a coisa mais difícil de entender no momento.
Como trata-se de uma história de alguém que estava desmaiado, não poderei afirmar com toda certeza do mundo o que me fez acordar pela segunda vez, mas é como se eu tivesse entrado num jogo onde minha única missão era a de acordar novamente e poder enxergar. Até que não sei como, acordei. Eu também poderia encerrar por aqui, mas meu segundo desmaio não teve nada de doce e eu realmente achei que morreria. Ali já era medo, cagaço.
Levantei e sentei num banco onde estavam os soldados até que um deles me ofereceu um biscoito, alegando que isso me deixaria melhor. Eu sempre falei pra minha vó que biscoito me dava forças, mas nunca achei que isso se tornaria verdade na boca de alguém um dia. Na verdade eu só falava isso pra ganhar mais biscoitos que meus primos.
Educadamente e com fome, aceitei o biscoito que na verdade era uma , um doce comum no nordeste. Comi o primeiro com os olhos no resto do pacote que ficava em cima da mesa. Comi o segundo e logo me ofereci a comer o terceiro, até que outro soldado notou que eu já não estava tão debilitado assim e me deu uns gritos. Os gritos eram de ordem pra sair e correr em direção ao resto da tropa, que já se encontrava no alojamento.
Meti o pé dali ainda de boca cheia e sem olhar pra trás, deixei na sala a ópera e alguns biscoitos que ficaram no pacote.
Hoje nós damos risadas desse momento, mas eu posso dizer que fui o primeiro soldado da minha turma a entrar na sala da guarda.
Tudo isso se passou em questão de segundos, mas como já falei, foi tudo tão rápido e suave que nem fui capaz de marcar no relógio, mas com certeza aquele biscoito nunca foi nem nunca será tão doce como naquela tarde de 2012. Vovó, seu neto sempre esteve certo!
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Vida contada
No FicciónUm rapaz como outro qualquer resolveu separar algumas histórias que lhe vieram a cabeça sobre fatos que lhe transformaram no decorrer da vida. > Um capítulo por mês <