Capítulo 3: Dispersão

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Cátia se despediu dos amigos assim que passaram pelo portão da Apoteose. Ela agora estava sozinha no curral da dispersão e foi em direção ao bendito relógio. Sozinha entre aspas, pois havia uma multidão saindo do desfile. Teria que esperar um pouco, pois a bateria, geralmente, era a última ala a cruzar a linha de fim do desfile.

Ela observava o movimento no entorno, baianas retirando suas roupas para serem colocadas no caminhão, foliões rindo, outros indo embora. Havia ambulantes esbravejando o preço de alguma falsa promoção de bebidas, afinal, todos cobravam a mesma coisa. Também via diretores de harmonias, em vão, tentarem organizar o caos na dispersão.

Do outro lado da dispersão, os carros alegóricos eram manobrados, já sem as pessoas, para outro cortejo: esse silencioso, que ia da Praça da Apoteose até a Cidade do Samba. O carnaval tinha seu brilho apenas nos setecentos metros da Avenida Marquês de Sapucaí, fora dali era apenas o caminhar de componentes cansados carregando suas fantasias e de trabalhadores do barracão preocupados em transportar com segurança as alegorias para o barracão, afinal, todos tinham a esperança do retorno da Portela ao desfile das campeãs. De preferência, em primeiro lugar.

Cátia resolveu tirar a roupa do desfile, pois dessa vez queria dar um amasso de verdade em Fabrício. Apesar de estar afastada do mundo do samba, a mulher ainda sabia os truques: guardara o famoso saco preto embaixo da fantasia para poder colocar o esplendor e chapéu depois do desfile. Ela iria com o restante da roupa para onde Fabrício quisesse. Depois se livraria do restante se tudo ocorresse conforme planejado.

Para muitos deveria ser estranho tirar a roupa no meio da rua, mas, no carnaval, isso era comum, as pessoas se desfaziam das roupas de rainhas, índias, príncipes e guerreiros para se tornarem apenas pessoas comuns novamente. Os momentos de ilusão aconteciam apenas no desfile, onde uma simples faxineira tornava-se uma rainha egípcia ou um vendedor transfigurava-se em super-herói. Essa era a magia do carnaval, modificar a vida das pessoas por setenta e cinco minutos para contar uma história.

Depois de guardar os itens indesejados, Cátia percebeu que o desfile da Portela chegava ao fim, pois ouvia a bateria cada vez mais próxima. Seu coração deu um salto e ela sabia que isso tinha dois motivos: o suingue da Tabajara do Samba e a presença de determinado percursionista de repique. Apesar de o desfile estar terminando, a dispersão continuava cheia, todas as alas saíam por aquele lado, e como os integrantes das alas finais sabiam, a bateria vinha atrás encerrando o cortejo apenas com o batuque, já que o carro de som havia sido desligado.

 Apesar de o desfile estar terminando, a dispersão continuava cheia, todas as alas saíam por aquele lado, e como os integrantes das alas finais sabiam, a bateria vinha atrás encerrando o cortejo apenas com o batuque, já que o carro de som havia si...

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A mulher resolveu esperar no ponto marcado, sambando ali em cima do que um dia fora um canteiro de grama. Dali via o caminhão responsável por recolher os instrumentos da bateria. Era impossível reconhecer Fabrício, pois eram uns duzentos ritmistas trajando vestes de pescadores e ela estava ansiosa para revê-lo. Resolveu comprar uma água para conseguir se livrar do ambulante insistente que gritava em seu ouvido, até que ouviu:

— Misturando bebidas, morena?

— Deus, de onde você veio, Brício?

— É segredo, querida, se eu... — disse ele, piscando para a mulher à sua frente.

Ela não esperou ele completar a frase e o atacou ali mesmo. O beijo dessa vez era mais urgente do que na concentração. Dessa vez, ela não queria interrupções. Nada de sirenes ou horário de desfile, agora eles poderiam curtir o carnaval a dois até o sábado das campeãs. Talvez, quem sabe, até depois disso.

Fabrício se aproximou de Cátia, a escorando na coluna do relógio e aprofundando o beijo. Tudo aquilo era uma mistura de saudade, carinho e desejo. Eles continuaram a devorarem um ao outro até que o ar faltou e tiveram que se afastar:

— Temos que ir embora, Cátia.

— Por quê?

— O pessoal da LIESA virá aqui nos expulsar se continuarmos aqui, daqui a pouco já tem gente da Mangueira chegando aqui. — A Mangueira era a última escola a desfilar no segundo e último dia de desfile do grupo especial.

— Tudo bem, mas nós vamos para onde, Brício?

— Para onde você quiser, morena. Sou seu até à noite.

— Como assim? O que você tem de noite?

— Desfile lá em Intendente. — A Estrada Intendente Magalhães era o local dos desfiles das escolas de sambas dos grupos B, C, D e E.

— Sim, verdade. Vamos então, pois temos muito o que matar de saudade. E, se prepara, você não vai dormir!

— Quem disse que eu quero dormir, morena?

Com isso, o carnaval fez com que dois foliões perdidos se encontrassem e pudessem dividir o restante da folia juntos: eles foram assistir e desfilar em algumas escolas do grupo B, na terça. Na quarta, foram para quadra da Portela, em Madureira, para acompanharem a apuração. Com a divulgação do resultado, que consagrou a escola de Madureira campeã, os dois resolveram que queriam a companhia um do outro não apenas por alguns dias de folia, para o resto do ano e nos próximos carnavais. Quem imaginou que uma atitude impulsiva de Cátia poderia trazer de volta aquele que sempre fora o amor da sua vida e companheiro de todas as folias? 

FIM

Total de palavras (Microsoft Office): 3.420

Gostaram da história? Espero que sim, quem puder votar e comentar, gostaria de saber a opinião de vocês, pois esse é meu primeiro conto.

O vídeo abaixo mostra um pouco a dispersão do desfile da Portela, ainda na Praça da Apoteose.

Gostou da temática de carnaval? Então leia meu romance policial "Penas, Plumas, SANGUE & Paetês", que narra a história de um serial killer à solta às vésperas do carnaval carioca.

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💞No batuque do coração [Conto][Completo]Onde histórias criam vida. Descubra agora