4: "Tony Manero e a melodia infinita"

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Há certas coisas que as pessoas não sabem sobre mim. A primeira é que eu canto bem e a segunda é que eu danço bem. Sério. Bote fé. Não faça essa cara, é sério! Puta merda, não acredita em mim? Você tem certa sabedoria então, pois é mentira. Mas bem que queria testar.

O problema é que sou muito acanhado e tenho vergonha que as pessoas descubram esses meus talentos escondidos. Acho que é um problema que todo tímido tem, ele quer se mostrar e se libertar, mas antes de dar o salto, se segura com receio dos olhos julgadores do resto mundo. Resto do mundo, que na verdade, está pouco se lixando para o que o tímido faz, qualquer porcaria é mais interessante do que ver um tímido bater asas e voar. Não literalmente. Aí seria bem legal. A não ser que ele não voasse e se espatifasse no chão. Bom, de qualquer forma iria chamar a atenção. Droga, estou me perdendo!

Deixa eu continuar.

Já possuo em meu currículo inúmeros convites rejeitados, com o mesmo número de razões verdadeiras se equivalendo com o mesmo número de desculpas inventadas. Há pouco tempo adotei a política de dizer "Não vou, não quero", que apesar de parecer meio rude, penso que seja a mais honesta. Existe também um pequeno percentual de convites aos quais queria aceitar, mas a ansiedade e o nervosismo me degastam antes de mesmo de cogitar ir. Deve haver alguma pessoa brava comigo por isso, nesse exato momento. Ou então, é só o tímido achando que os holofotes do universo estão sobre ele.

Um convite chegou até mim, descendo correntezas e trazido pelo vento. Mentira, uma amiga minha me chamou.

"Não é balada, sabe? É uma festa flashback, entendeu? Toca músicas antigas, anos setenta e oitenta! Eu acho que vou! Quer ir comigo? Mas só que tem que ir vestido a caráter. Ou a rigor? Acho que dá na mesma. Vai ser no sábado! Você quer ir? Se quiser, só me dá um toque depois! "

- Ah tá bom... Vou ver! – Quando a pessoa diz que "vai ver", é porque ela não quer ir, vai inventar uma desculpa na última hora e não vai aparecer. Que fique bem claro. Isso já foi um vício meu, por isso acho bem melhor dizer que não quero ir.

Na noite, daquele dia, deixei-me divagar sobre a situação. E se? E se fosse um cenário positivo? Talvez eu gostasse, talvez me divertisse, talvez me deixasse levar. Talvez finalmente dançasse. Sim!

Talvez.

É, talvez.

Bom, o mais provável é que ficaria num canto, sentado em alguma mesa, enquanto algum cara chamaria a minha amiga para dançar e eu ficaria tomando meu refrigerante sem gelo.

Era cedo, não passava das dez e meia, mas fui me deitar. Pensei mais um pouco e senti que não valia a pena.

Assim, deixei meus olhos pesarem e adormeci.

O que não poderia ver, é que estava sendo observado das nuvens, por uma mulher que usava uma coroa de louros.

Em meio ao azul escuro da noite enluarada, ela olhava para a terra. Em suas mãos segurava uma lira. Passou os dedos pelas cordas e a música entrou nos meus sonhos.

Não poderia notar, que as notas criavam uma ponte entre mim e ela. A lua achou seu canto no teto de meu quarto; não querendo deixa-la solitária, as estrelas vieram com ela. A música doce aumentava, aumentando as luzes.

- Acorde, doce jovem mortal! Quero lhe falar! – Não saberia distinguir a música da voz daquela mulher.

Meus olhos se abriram, vagarosos e pesados. A luz azulada da noite iluminava as formas elegantes da mulher.

- Não te aflijas, doce jovem mortal. Não vim perturbá-lo! Vim lhe acalmar o coração!

- É você de novo, Afrodite?!

Talvezes- Histórias desinteressantes de um anônimo ordinariamente comum.Onde histórias criam vida. Descubra agora