01. ღ Sou uma Uva ღ

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Como um bom clichê humano que sou, começarei a narrativa comparando minha vida a alguma coisa. Decidi compará-la a uma uva verde. Quando saboreio uma uva, sinto seu adocicado misturado com um azedinho delicioso, mas, de repente, como o vilão de toda novela esdrúxula, surge a semente amarga. Ela aparece sem avisar e, quando eu menos espero, mordo-a e sinto o desagradável gosto amargurado em minha boca, acabando com a alegria da degustação.

Explicando: a minha vida, quando está tudo caminhando bem ─ pelo menos, aparentemente ─, sempre surge um maldito obstáculo para atrapalhar. Eu estou no feliz momento adocicado e meio azedinho, porém acabo esbarrando numa semente amarga que estraga com a minha festa. É como se a vida, essa sádica malandra, ao notar minha ascensão espiritual, balançasse a cabeça em negação e, com as mãos na cintura, dissesse:

Não tão rápido, queridinha.

Eu sei: estou fazendo um dramalhão, afinal, todo mundo passa pelas brincadeiras de marionete da vida. Essa desgraçada gosta mesmo de nos balançar por barbantes e controlar nossas ações de forma a nos embarcar em cada enrascada. Colocam a morte como vilã dessa história, mas sempre acreditei que a vida é aquela falsa mocinha, sabe? Aquela dissimulada que se faz de boazinha mas é a que mais apronta. A morte pelo menos é sincera; faz seu trabalho sem enganar ninguém, exceto a vida, é claro. Mas bem que ela merece ser trapaceada.

Não quero reclamar de barriga cheia, pois alcancei muitos dos meus sonhos. Alguns tiveram que ser improvisados e remendados, mas consegui, no final. Outros ficaram no meio do caminho, como aviso de que nem todos os sonhos se realizam. Contudo, ainda sinto um vazio em meu peito; a sensação incômoda de algo faltando. O pior é que sei exatamente o que é, porém prefiro evitar a verdade. É mais fácil fingir que está tudo bem.

Já estou começando a falar coisas sem sentido. Culpo a crise dos vinte e poucos. É uma loucura como ela surgiu e não quer mais me deixar. Estou com quase 25 anos, o que torna a coisa pior. Parece que tenho em minha mente uma bomba-relógio prestes a explodir e fazer uma bagunça dos diabos. Uma maldição que me faz refletir com frequência deixando a marca da depressão. Sinto-me triste por estar ficando mais velha tão depressa. Não canso de pensar que logo, logo completarei 30 anos e ainda falta tanta coisa para eu realizar. E sinto muito medo de morrer e não conseguir o que mais desejo. Sinto medo de ver minha vida passar e não sentir toda a felicidade que eu acredito existir no mundo, naqueles pequenos detalhes.

Minha vida sempre foi uma falta de tchan atrás do outro. Não desfrutei dos bons momentos que são proporcionados. Minha adolescência toda foi resumida a estudar e estudar um pouco mais. Como havia dito, sou o clichê humano, típico de protagonista de filmes adolescentes da Sessão da Tarde. Eu era o pacote completo: nerd, acne, baranga e esquisita. No Ensino Médio, eu usava aparelho nos dentes à moda Betty, a feia. Meu penteado medonho vinha com muito creme para pentear, e minha magreza excessiva não permitia que as curvas nos lugares ideais aparecessem. Extremamente desengonçada, feia e sem graça, obviamente que não atraía olhares de nenhum garoto. Desta forma, ser a CDF da turma era a minha única vitória na adolescência. Tentava me arrumar, dedicando-me às roupas da moda, à maquilagem e ao corte de cabelo legal. Porém, ao contrário dos filmes, na vida real não bastam as comprinhas no shopping e os apetrechos todos. Eu não tinha solução nem se a fada madrinha surgisse empinando sua varinha e cantando bibidi-bobidi-bu. Nem São Jorge domaria esse dragão.

Minha cara desagradável ficava enterrada nos livros. Queria tirar boas notas nas provas e nos trabalhos da escola, pois queria ser a primeira da turma. Isso, pelo menos, consegui. Findado o colégio, inicio minha batalha para passar no vestibular. Para falar a verdade, eu não tinha a mínima ideia do que seria quando crescesse. Então, quando cresci, esforcei-me a fim de realizar uma boa prova e passar na Universidade de São Paulo, sem saber ao certo para qual curso seria. Por fim, após muito pensar, percebi uma pontinha de aptidão para a Arquitetura. Decidido o curso, comecei a exercitar meu cérebro nerd e estimulá-lo a entender todas as matérias. Foram duas tentativas frustradas, mas, na terceira, meu sim prevaleceu, e lá estava eu, aos 20 anos, caloura da FAU. Orgulho da mamãe e do papai.

Nunca Fui Beijada | DEGUSTAÇÃOOnde histórias criam vida. Descubra agora