Odeio acordar cedo! Sempre me pergunto o por quê de ter que acordar cedo! Acho desnecessário acordar no começo do dia para enfrentar a escola. Mas eu tenho que me conformar que isso vai acontecer pelo resto da minha vida.
Me arrumo, e desço para tomar café da manhã. Não gosto dessa parte! Sempre sentamos numa mesa e vamos bater um papo "em família". O motivo pra eu não gostar disso não é por quê eu sou mudo. É porque eu acordo bem chato e estressado de manhã. Ao contrário do resto da família, que já acorda cantando uma música da Xuxa, felizes da vida por acordar cedo.
Jéssica, que tem doze anos, vai falar das aulas de balé. E quem sofre com isso são meus ouvidos. Não entendo qual a necessidade de falar coisas tão inúteis numa mesa de família. Talvez seja para puxar assunto, não sei.
— Próximo mês vou disputar o campeonato municipal de Balé. Estou tão animada! — Explica minha irmã.
— Que ótimo filhinha! Você é o orgulho do papai!
Me da ânsia de vomito quando o "papai" faz isso com ela. É que o papaizinho querido não vê o que a filhinha perfeita é de verdade. Ela parece ser um amorzinho, que usa vestidos rosa, sandálias da Hello Kitty e brinca com bonecas Barbie. Mas não é. Ela é uma garota desesperada para namorar. Ela já perdeu o Bv. Ela já fez meus pais de gato e sapato. Ninguém enxerga isso. Somente eu e Mário, e eu suspeito que minha mãe também saiba mas nunca falou nada.
Eu gosto de Mário. Ele é o contrário de mim. Sempre sonhador, vê o lado bom das coisas antes do lado ruim, é popular, odeia praia, e não perdoa ninguém na hora de pegar. Mas ele me ajudou muito no começo da minha infância. Ele foi o primeiro da casa a aprender Libras só para conseguir se comunicar comigo. Ele sempre quis me ajudar, a se comunicar e não desgrudava de mim por medo de acontecer alguma coisa comigo — Pelo menos é isso que ele fala, mas eu acho que ele era grudado comigo por que tinha medo de eu cortar os pulsos.
Lúcia, minha mãe, é o exemplo de pessoa otimista. Ela tá sempre sorrindo. Sempre torcendo para as coisas darem certo. Sempre tá cantando, até quando está de mal humor. Eu não gosto muito disso. Talvez seja por que eu sou o contrário dela também. Mas eu a amo mais que tudo. Só eu e Deus sabemos o quanto ela sofreu na vida por causa da minha doença. O quanto ela chorou por medo. Ela sempre trabalhou duro para tentar falar com os mais caros médicos, para ver se havia alguma solução para meu problema. Ela nunca conseguiu resposta e isso foi motivo pra ela chorar mais e mais. As vezes acho que ela sofre mais que eu.
Alex, meu pai, é Engenheiro. Ele combina muito com minha mãe. Sério, fazem um casal perfeito. Os dois acordam sorrindo e cantando. Os dois trabalham duro para dar tudo que nós queremos. Os dois fazem tudo pela família e ambos sofreram por causa de mim. Meu pai sempre enfrentou tudo bravamente, sem chorar. Mas dava pra ver o cansaço e sofrimento em seus olhos. Ele, assim como minha mãe, tentou de tudo para tratar minha doença. Falou com médicos, cirurgiões, psicólogos, biólogos, químicos... Enfim... Todo tipo de profissional de saúde. Mas nada de resultado.
— Vão rápido, senão vão se atrasar para a escola! — Grita minha mãe em um tom baixo.
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Esperança
DiversosAcompanhe a vida de um garoto mudo, que enfrenta duramente a vida.