"As duas obras primas da Criação"

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É uma cena típica de um dia de trabalho, que acontece todos os dias, em todas as cidades.

Dois homens sentam-se à mesa do pequeno restaurante. Escolhem uma mesa que fica na calçada, de onde podem ver o movimento da rua e se deliciar com a temperatura mais agradável, já que ambos estão usando traje social completo, com gravata e terno.

- Pena termos uma reunião agora à tarde, gostaria de pedir uma cerveja, mas não será legal chegar lá com bafo. Acho que o Português não ia gostar – disse Alvarez.

- Não, não ia – responde Leandro.

- Mas se não fosse você tomaria comigo uma?

- Não. Não gosto de beber em horário de trabalho.

- Ah, deixa de ser quadrado meu amigo! Você já está nas graças da chefia, não acho que alguém fosse se importar de você beber uma cervejinha na hora do almoço. O seu chefe mesmo já vi tomando!

- Mas eu não gosto.

Alvarez é gordo, de aspecto relativamente nojento. Tem um cabelo despenteado e a pele oleosa. Não é do tipo de se barbear todos os dias. Senta como se fosse um sultão, com as pernas abertas e a massa gordurosa que forma suas nádegas esparramadas pela cadeira. Leandro, por outro lado, é o oposto. Um sujeito almofadinha, cabelo penteado com gel, magro e com óculos, que lhe dá uma cara de intelectual. Barba perfeitamente aparada e terno impecavelmente limpo. É engraçado imaginar que os dois estejam fazendo um trabalho juntos.

- Bom dia! – disse uma garçonete simpática, trajando um uniforme do restaurante composto por uma calça social e uma camiseta polo – posso anotar o pedido dos senhores?

- Eu ainda não decidi o que vou comer, mas gostaria de uma água com gás, por favor – disse Leandro.

- Eu já me decidi. Quero uma coca cola e o seu telefone, minha boneca – respondeu Alvarez.

- Perdão? – a garçonete já havia recebido muitas cantadas na sua vida, mas normalmente é na hora da conta, e não do pedido, de maneira que ficou realmente surpresa com a pergunta.

- Meu amigo também não se decidiu ainda – intervém Leandro.

Alvarez dá um grande sorriso cafajeste, apoiando as mãos em suas coxas gordas. Nunca espera uma resposta positiva às suas cantadas, exceto quando está em um bordel, onde às vezes elas funcionam (apenas às vezes).

- Tudo bem, eu vou pegar as bebidas.

A garçonete sai rapidamente, deixando os dois colegas na mesa. Alvarez dá uma risada alta, apoiando suas mãos na barriga, dizendo:

- Você é realmente quadrado, meu amigo! Que mal há em alegrarmos o dia da menina? Mulher adora receber cantadas, eleva o moral delas.

Leandro, que está olhando o cardápio, limita-se a dar uma rápida encarada em seu colega, com ar de desaprovação, e volta a olhar o cardápio.

- Acho que vou pedir apenas uma salada – diz Leandro.

- Salada? Ah, qual é? Você é cada vez mais quadrado! Eu vou pedir este contra filé. Bem gorduroso e bem mal passado. Cara, não tem nada melhor do que sentir a fibra da carne se desmanchando em sua boca, enquanto o suco dela mistura com sua saliva.

- Bom para você. Mas realmente não tenho este seu apetite não.

- Ah! É que você não se deixa levar pelos seus instintos! É muito certinho! Se tá com tesão, cante uma mulher! Se quiser beber, beba! Viva mais pelos instintos, e então verá como sua fome aumentará.

Leandro, desta vez, sequer levanta os olhos do cardápio, apesar de não estar mais lendo. Alvarez dá com os ombros e pega o celular, que apita com os e-mails que chegaram. Leandro então põe o cardápio na mesa e dá uma olhada em volta, na rua movimentada daquela tarde. Há muita coisa para ver, ao mesmo tempo em que nada realmente interessante se destaca. Carros vêm, carros vão, pessoas andam, pessoas correm, pessoas gritam. Porém, de repente seus olhos vêm algo que merecema sua atenção.

Do outro lado da rua, saindo de uma academia de ginástica da rede "Antropocentrismo", está uma mulher. Uma mulher bonita, de corpo bem desenhado, que caminha com leveza e charme. Usa um macacão de ginástica com os logotipos da academia, indicando ser uma professora. Caminha sozinha e despreocupada, com seu rabo de cavalo longo chacoalhando de um lado para o outro conforme seu caminhar se desenvolve pela calçada.

Leandro está completamente paralisado. Seus olhos estão fixos em um objeto. Ou, mais acertadamente, dois objetos.

As duas obras primas da Criação.

A moça sem nome de macacão possui um belo par de seios. São relativamente pequenos, mas bem feitos, como dois pêssegos, e que o decote do macacão deixa apenas uma pequena parte à mostra, o suficiente para instigar a imaginação masculina. Ela possui também um belo par de nádegas, redondas e bem feitas, não excessivamente malhadas, parecem macias, mas empinadas. Formas bem feita e bem esculpida. Tem um belo par de coxas, grossas e definidas, que se moldam com perfeição no tecido justo do macacão.

Masestes pares não são as duas obras primas.

Descendo pelas pernas, onde o tecido acaba exatamente no meio do tornozelo, chega-se aos pés. Pés bem feitos, acomodados apenas por dois chinelos de dedo, que se revelam para todos os olhares. Unhas pintadas, perfeitamente aparadas. Dedos harmoniosos, delicados. A pele branquinha, lisinha, sem absolutamente nenhuma imperfeição que a maculasse.

Leandro fica olhando fixamente para aquelas duas esculturas até a moça sem nome de macacão entrar em um carro, que está estacionado na rua, e ir embora. Somente então percebe que Alvarez o chamava há algum tempo:

- O sonhador! A moça está falando com você?

- Como, perdão? – e só então Leandro percebeu a garçonete ao seu lado, com o bloquinho de notas na mão.

- O seu pedido senhor!

Leandro esperou alguns segundos, como se estivesse tentando pegar no tranco. Sentou a boca saliva, e diz por fim:

- Quero um contra filé. Um bom pedaço de contra filé.


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