"Gostaria de visitar a nossa cozinha?"

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Leandro presta atenção em outro garçom que aparece, voltando da cozinha. Agora ele prestava atenção em absolutamente tudo, apesar de não querer ver nada. O garçom traz mais uma carne em cima de uma bandeja. Não está claramente definido pela aparência, se estivesse em outro lugar ele até poderia achar que se trata de uma fraldinha ou um cupim mal passado. Resolve prestar atenção nele ao chegar à mesa dos executivos. Não é possível ouvi-los, mas é possível ler os lábios deles (habilidade amplificada diante da situação):

- Glúteo feminino – disse o garçom.

- Está bem macio? – perguntou um dos homens ao garçom, que confirma com a cabeça. Então se dirige ao seu amigo – glúteos femininos são muito mais saborosos, eles são muito mais macios!

Não é possível ler os lábios do outro homem, que está de costas, mas ele concorda com a cabeça.

Mas Leandro tem outros problemas para se preocupar muito maiores do que os garçons ou mesmo o preço dos pratos. Mirela não para de encará-lo, com seu olhar fulminante.

- Tem certeza que não vai pedir nada? – pergunta ela, pela décima vez.

- Realmente não estou bem hoje. Não sei o que aconteceu, acho que ter ficado sem comer estragou meu estomago.

- Tudo bem.

Leandro quer desviar o olhar, mas não consegue. Vê a mulher pegando o que poderia ser uma banana a milanesa ou uma salsicha empanada e levando até a boca, mordendo com vontade. Vê a gordura escorrer pelos seus lábios, e se lembra de que aquilo é (ou era...) um órgão sexual masculino.

Vomita no chão. Já é a segunda vez.

O garçom prontamente aparece com o escovão e (novamente) limpa a sujeira. Não há muito que limpar já que Leandro não havia comido o dia inteiro. O garçom encara Mirela, que lhe dá com os ombros.

- Preciso ir ao banheiro – disse, antes de virar o que restava de vinho em sua taça.

Chegar ao banheiro não resolve seus problemas. A repugnância permanece. E o medo é crescente. Sabe que os garçons já estão comunicando o que acontecera ao maitre do estabelecimento, e sabe que não sairá dali vivo se não começar a devorar alguma coisa humana. Qualquer coisa. Mas simplesmente não podia imaginar o que conseguiria devorar sem vomitar.

Vomita novamente, apenas imaginando a cena. Fica se encarando no espelho por algum tempo (um ou dez minutos, talvez?), tentando criar coragem para sair dali. Imagina se poderá simplesmente sair correndo para a saída, mas não sabia se conseguirá passar pelos garçons. E mesmo que conseguisse, o que faria? Não poderia voltar ao trabalho no dia seguinte e encarar Mirela.

Sua carreira pode estar chegando ao fim. Sua vida poder estar chegando ao fim!

Lava o rosto, tentando limpar a mente. Retorna a mesa, sorrindo.

- Melhor? – disse Mirela.

- Sim, melhor.

- Vai comer agora?

Leandro tenta sorrir e abana a cabeça afirmativamente. Uma pessoa comum, sem os dons sobrenaturais da gerente, já desconfiaria da sinceridade de Leandro, mas Mirela prefere dar com os ombros novamente, saboreando o que resta do seu prato.

Os garçons continuam passando, cada um com um prato diferente. Leandro procura não observar mais. Se não prestar atenção tudo poderia ser apenas costelas bovinas e lombos suínos. Também procura não prestar atenção ao maitre, que não para de observá-lo.

- Aceita queijo coalho? – perguntou um garçom, parado ao seu lado.

- Tudo bem, coloca um – e olhou para Mirela – vamos tentar começar a noite.

AntropocentrismoOnde histórias criam vida. Descubra agora