Se fosse outra pessoa qualquer que estivesse sentado na estação de trabalho, praticamente sem cor e apresentando sinais de fraqueza, talvez alguém já tivesse parado para perguntar se ele estava bem.
Mas com Leandro ninguém estranha nada. É o engomadinho favorito da alta direção, o funcionário exemplar, que trabalha a noite sem pedir hora extra e de finais de semana sem adicional.
Mas ele não está bem. Não existe nada pior para um ser humano do que a expectativa frustrada, e é assim que Leandro está: frustrado. Uma criança pode ficar uma semana sem doce, mas ao prometer para ela que ganhará um doce dentro de meia hora, ela precisará deste doce dentro de meia hora. No caso de Leandro, um dia de trabalho tem uma rotina especifica, que não pode ser quebrada: acordar – trabalhar – ver as obras primas – almoçar – trabalhar – casa – masturbar-se como um louco pelo menos duas vezes pensando nas obras primas – jantar – masturbar-se novamente, duas vezes de aguentasse, pensando nas obras primas – desmaiar de sono.
Leandro mal consegue trabalhar. Não vira as obras primas, não almoçara, e agora não pode prosseguir o ritmo do dia. Não enxerga planilhas financeiras, apenas dedos, unhas e pés. Pés por todos os lados. O teclado é formado por dedinhos em vez de teclas, o telefone é uma sola lisa e perfumada, desodorante tem cheiro de chulé (talvez perfume de pé descrevesse melhor o cheiro por ele imaginado). Tudo remete a aquelas maravilhosas esculturas.
Sua mente precisa daqueles pés.
Mas seu corpo precisa de nutrientes.
Apenas quando ele se levantou, indo até a cozinha da empresa, que a secretária que fica logo a sua frente achou algo estranho. Ela olha para o grande relógio que fica na parede, para o seu próprio relógio de pulso e para o do computador, e todos marcavam três e cinquenta e seis.
Não é a hora que Leandro costumava fazer pausa para tomar café.
Na verdade, ele nunca faz pausa para tomar café.
Chegando à cozinha Leandro pega uma xícara grande, das normalmente reservadas para chá, e enche de café preto. Contrariando sua rotina coloca duas grandes colheres de açúcar.
Mexe bem e dá um grande gole, sentindo aquele açúcar entrando nas veias, acalmando um pouco a fome e a tontura que sentia.
Dá outro gole e foi até o pote de bolachas, apenas para vê-lo vazio.
- Desculpe querido, comi o último.
Leandro mal havia percebido que há outra pessoa na cozinha. E não é apenas uma pessoa qualquer, trata-se de Mirela, uma das gerentes mais antigas da empresa. Uma mulher na casa dos sessenta anos, gorda e cheia de plástica no rosto, com o cabelo pintado de ruivo. Está trajando um conjunto social feminino, com terno e saia vermelha, e uma camisa branca com alguns detalhes na costura.
- Não se preocupe D. Mirela, nem ligo tanto para bolachas – respondeu Leandro.
- Isso é verdade. Acho que eu sou a maior frequentadora desta cozinha e é a primeira vez que eu o vejo aqui sem ser na hora do almoço. O que aconteceu?
- Nada de mais, apenas estou um pouco tonto e vim tomar um gole de café para ver se me reanima.
A gerente caminha a passos lentos na direção de Leandro. O rapaz não gosta muito de contatos sociais, principalmente de uma mulher gorda e com mau hálito, mas sente que não terá escapatória.
- Você não me engana querido. Está pálido demais. O que almoçou hoje?
- Na verdade não tive tempo de almoçar.
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Antropocentrismo
HorreurAntropocentrismo é um conto, que trás a história de Leandro, um rapaz tímido e solitário, até que um dia, durante um almoço, acaba se apaixonando por um lindo par de pés de uma instrutora de academia. Ele fica obcecado por estes pés, sua vida inteir...