Capítulo - 2 - O Velho Marinheiro

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   A chuva havia aumentado

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   A chuva havia aumentado. Trovões e relâmpagos cortavam o céu escuro. O barulho da balsa estava ensurdecedor. Aquele monstro sobre o mar, fazia sons que perturbavam seres humanos e os animais do oceano. O motor urrava enquanto ele chegava do outro lado. Era enorme. Um peso sobre as ondas que cortava o canal de São Sebastião. Uma estrutura enferrujada e velha.

Chico o esperava calmamente. Sua roupa estava encharcada e suja. Sorte que havia trazido outra em sua trouxa. Olhou em direção ao horizonte. Ainda continuava linda como sempre. Aquele lugar lhe trazia uma sensação de felicidade indescritível assim como um lasco de tristeza também. Naquele lugar, onde havia crescido e foi feliz, era também o lugar onde guardava mágoas que ainda carregava dentro de seu peito. Junto ao seu peito, trazia uma pedra esverdeada pendurada por uma linha de pesca. Ele a apertou segurando seus sentimentos.

Quando ela chegou do outro lado, ele subiu na balsa. Carros, motos e outros passageiros também. Muitos o olhavam admirados. Quem seria aquele andarilho que por ali caminhava? O que estava buscando, aliás? Alguns ainda se arriscavam e falavam: "Mais um mendigo andando pelo cais? Não precisamos mais disso!"

"Logo o presidente vai dar cabo de gente como essa! O pastor Santiago vai nos purificar!"

Como eram hipócritas! Não enxergavam mais nos olhos das pessoas, perdiam seu tempo julgando somente o exterior. Xingavam, falavam baixinho e uns se revoltavam com sua presença por ali.

Chico não se importava com esse julgamento. Era melhor assim. Ele não queria que lembrassem dele. Ele tinha receio de retornar. Afinal, foram anos longe dali. Fugindo de si mesmo.

"Onde estão as autoridades que não enxotam esses favelados da ilha?"

O cigarro nos dedos queimava e o acalmava do medo. Olhando para o mar sentiu-se pequeno. Quantos pensamentos antigos se faziam presentes naquele momento? Eram ondas de saudades, de desespero e solidão. Sabia dos seus caminhos e que eles seriam difíceis, mas tinha a fé que Ogum não o deixaria sozinho.

Ogum. Ele era a sua força e a sua fé. Aliás, assim como todos os Orixás e suas lendas. Algo o puxava de volta para lá. Parecia que todo o divino, fantasia e Encantados moravam em Ilhabela.

A balsa voltou a urrar seu grito ensurdecedor e a sirene tocou mais uma vez. Era o momento de retornar. Com o coração aos saltos, Chico pensava:

"Me espera, eu estou voltando."

O céu parecia chorar lágrimas de saudade. Nada mais podia explicar aquela chuva forte. Ele foi para a ponta da balsa e olhava para as ondas que cortava. Era lindo. Nada podia descrever aquele sentimento que tinha e que tomava conta de todo o seu corpo. Ele estava ansioso por voltar. Tanto que quase não conseguia admirar os quase vinte minutos que levaria para chegar. A travessia parecia interminável.

Quando atracou do outro lado, ele desceu e olhou. Como as coisas haviam mudado! Tinha algo de diferente, entretanto, tudo parecia do mesmo jeito: as ruas de ladrilhos, a velha banca de jornal, os pássaros e o cheiro das folhas. Seus chinelos velhos e gastos, ele tratou de tirar para pisar mais uma vez naquele chão. Que paz que sentia! Que amor! Segurou para não chorar enquanto os outros passageiros desciam.

Parecia que no fundo, ele se via ali mais de vinte anos atrás. Feliz, contente e amado. Ele tinha uma prometida para ele. Queria revê-la. Como será que ela estaria? Será que ainda morava na mesma casa, no mesmo povo? Será que ela o estava esperando como um dia havia prometido?

Ficou tão perdido em seus pensamentos que ao menos percebeu que já estava começando a escurecer e ele não tinha lugar para ficar. Aliás, até tinha. Mas não sabia se deveria estar por lá. Já havia sido uma luta interior voltar para aquele lugar. Sabia como era se sentir indesejável em um lugar. Já bastava estar ali.

- Onde devo ir? – pensava. – Meu coração deve me guiar.

As folhas das arvores balançavam com o vento que soprava e muitos se escondiam da chuva. Outros, já nem estavam mais por ali.

Chico decidiu ir para onde sentia o coração mais próximo de Deus e arrastando os pés pelas poças de água das ruas, ele foi em direção à Praia de Santa Tereza. Era um pouco longe, mas isso não seria algo ruim. Poderia continuar lembrando de outros tempos. Os tempos que ficaram em sua memória. Passou pela vila, pelo velho cais e seus sentimentos saltavam dos olhos.

Chegando a Santa Tereza, pôde admirar toda a beleza daquele lugar. Barcos atracados na beira do mar, arvores espalhadas pela costa, as ondas que beijavam a areia. Fechou os olhos e sentiu o cheiro do mar. Como aquilo era bom! Nenhum lugar do mundo tinha tamanha beleza e paz para ele do que ali. Muito chovia e tratou de se esconder embaixo de uma palmeira. Tirou a camisa molhada e a estendeu sobre um galho de arvore e sentou na areia. Olhava para aquela imensidão.

O que era a tempestade para ele se não Iemanjá que resolvia dançar sobre as águas? Em meio aos trovões e relâmpagos, ela bailava e fazia dormir os marinheiros desastrados no fundo do mar. Ela que era mãe e esposa, cantava sua música. Muitos tinham medo. E ele? Somente admirava. Julgavam seus passos mas nenhum deles queria calçar os seus chinelos. Eram tempos de mudança mas por que o passado insistia em lhe atormentar? E em pensamento, perguntava:

"Quando será o dia em que Iemanjá me levará para conhecer seu Reino submerso?"

Era tarde quando resolveu caminhar. Estava com fome e precisava comer. Procurou por entre a areia algum caranguejo ou alevino. Agradeceu em seu coração e pensamento pela chuva ter acabado. Entretanto, estava sem sorte. A noite parecia mais escura que o normal e a lua iluminava seus passos, assim como o farol e alguns barcos ao longe. De frente ao mar de Santa Tereza, seus pés cansados pisaram na areia molhada e admirou. O que podia fazer? Ali era o seu lugar. Sentia o rosto quente e seus cabelos grudavam. Seu olhar se perdia ao longe. De repente, ouviu um barulho que vinha de lá. Algo não estava certo. Chico se assustou. Seu coração estava disparado quando viu o que era. Um grande buraco se fez no meio do mar negro e as ondas se agitavam. A luz do farol ao longe permitia que ele enxergasse a tudo que acontecia. Um navio negro, velho e feito de madeira assomou-se sobre as águas e um marinheiro com rosto de caveira gargalhava. O navio balançava de um lado para o outro e se aproximava da praia. Aquele era o navio que mudaria a vida de Chico para sempre.

Aquele Velho CaisOnde histórias criam vida. Descubra agora