Capítulo 14 - Devaneios sobre o Mar

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Algum tempo passou. Os dias de sol estavam por desaparecer de toda ilha. O outono que quase não podia sentir, acabava por dar espaço ao inverno que apesar de não tão rigoroso, para aquele povo tão acostumado com o calor do sol, era terrivelmente nocivo. Algumas arvores quase sem suas folhas verdes, muitos barcos atracados na beira do mar, a neblina que cobria os parques e reservas e o vento cortante assobiava entre todos. Entretanto, isso não seria motivo para que Chico e Alberto deixassem de jogar suas redes no mar. Haviam até restaurado o pequeno barco para que pudesse aguentar, já que a quantidade de pescadores diminuía cada dia mais. Era impressionante. Uma tradição de muitos anos parecia que se despedia de seus moradores, mas uma pequena e boa parte ainda lutava para que ela fosse mantida e que pudessem aproveitar a vida da forma que escolheram: sendo marinheiros de alma. A água esverdeada do mar comum nos dias de frio, também estava gelada. Quando alguns respingos caíam sobre o convés, faziam com que Chico e Alberto sentissem a espinha, sem contar os dentes que batiam quase que sem parar. Sorte que sempre levavam uma garrafa de cachaça para esquentar o corpo.

A pesca daquele dia havia sido boa. Uma grande quantidade de peixes haviam conseguido mesmo com a mudança de tempo. Aquela mercadoria seria vendida para os quiosques e botequins também.

- Parece que a moeda não rende mais como antigamente. – resmungou Chico.

- É a concorrência, meu velho. – respondeu Alberto por entre a fumaça de seu cigarro.

- Qual?

- A modernidade. Vivemos de teimosos, pois quem compra nossos peixes também pode pescar. E entram no mar sem cerimônia! Onde já se viu?

- Além dos pescadores daqui?

- Claro!

- E vendem mais em conta, imagino.

- Já era o esperado. Não comercializam só aqui mas pelo país todo. Aí se quisermos ter o mínimo possível, temos que quase morrer de fome. E ainda tem gente que defende essa coisa. Tiram de muitos para dar para poucos. Esse é o mal do século.

- Quem dera fosse somente esse.

- Quem dera. – disse jogando a ponta do cigarro no convés e soltando a fumaça pelo nariz.

- E nunca vão saber o que é estar de verdade no mar. Isso é para poucos.

- Os poucos que ainda restam e lutam. Estou também é cansado desses que batem a minha porta para falar de demônios e anjos.

- Creio que esses são os mais indesejáveis.

- Reclamam que muitos de nós não os respeitamos. Mas na hora de nos atirar no esquecimento e condenar nossos costumes, acreditam que estão do lado certo. Uma completa loucura. Sem contar na sede que possuem pelo dinheiro. Esse Deus eu ainda não conheço.

Sim, o Deus do dinheiro. Essa também era uma divindade que Chico não conhecia. Muitos ali na ilha tentavam fazer o seu pequeno cercado com moedas douradas ou enterrar seus "tesouros" nas areias da praia. Era difícil essa compreensão para ambos. Para Chico um pouco mais difícil do que Alberto já que esse quase nada tinha. E o que na verdade ele queria? O mar e Catarina.

Catarina? Por alguns momentos conseguia se esquecer quase que por completo dela. Embora desejasse encontrá-la de todas as maneiras, percebia que cada dia mais que se passava, a dificuldade aumentava. Parecia que uma força não queria aquele reencontro ou se seria possível já que ninguém sabia ao menos por onde começar. Mas em seu coração, ainda mantinha acesa uma pequena chama de esperança em poder vê-la pelo menos mais uma vez. Sempre carregava aquela pedra esverdeada com linha de pesca em seu pescoço. Aquilo o aproximava e não o deixava esquecer de seus propósitos embora a vida tranquila o despertasse interesse. Sabia que ainda teria que se encontrar outras vezes com Alexandre. Também sabia que muitos ainda o olhavam com maldade. Mas isso não o impediria de sentir a vida preenchendo todo o seu ser.

Aquele Velho CaisOnde histórias criam vida. Descubra agora