Carta 2: De Gael a Bryan

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Dia 7 do Primeiro mês de Telam. Ano 99 pelo calendário de Morat

Caro Bryan,

Há de se dizer que foi imensa surpresa o rei Mauro nos dar a honra de sua presença na reunião. Todos sabemos que a festa do centenário de nosso reino demanda mais tempo e recursos que, por vezes, temos ao nosso dispor. Entretanto, tem de concordar que o comparecimento de Sua Majestade em companhia daquele seu bastardo foi de péssimo gosto. Os outros três sacerdotes ficaram irritadíssimos e ainda dizem a quem quiser ouvir que jamais passaram por tamanha vergonha. Confesso que sinto pena do garoto, agora com dez anos e nenhuma culpa de sua linhagem. É um menino saudável e gentil e é de extrema bondade do rei criá-lo como filho legítimo.

Verdade seja dita, a majestade tampouco tem culpa sobre a existência da criança, as criaturas da floresta podem ser infinitamente persuasivas e – que a luz de Kardei me perdoe por dizê-lo – ainda mais belas.

É certo que todos achávamos que Mauro teria destino semelhante ao do primeiro rei, concordamos como é imensa benção sua força de vontade para resistir aos feitiços delas e se casar como mandam nossas leis. Benção ainda maior foi a rainha ter produzido um herdeiro saudável. Mas parece que para tudo há um preço, o rei definha a cada ano, como se quebrar os encantamentos tivesse lhe causado uma doença horrenda. Infelizmente, meu amigo, temo que logo precisaremos planejar outra coroação.

E ainda há o bastardo. Não imagino que a rainha irá querê-lo por perto.

Com relação à reunião, esta ocorreu tensa, em parte devido à presença de Sua Majestade, em parte pelos costumes dos sacerdotes. A presença do príncipe bastardo – cuja semelhança com o rei é tão óbvia que seria reconhecível léguas de distância – apenas acentuou isto. Conversamos sobre o que deveria ser acertado com relação às comemorações, os gastos, a comida em falta, o vulcão que jaz adormecido, a serra de Candire e nada de suma importância, nenhum mal terrível a espreitar-nos. Devo dizer que tal reunião teria sido apenas monótona, não fosse o lorde Henry, sacerdote do Leste, incutir uma nova pauta: a misteriosa e temível Floresta Cinzenta.

— Aquela muralha de árvores duras ainda irá nos espremer, ou avançamos pela floresta, ou o povo terá que buscar abrigo na terra depois de Candire.

— O que sugere, Henry? — lorde Albus, do norte, perguntou.

— O óbvio, pagamos a bons lenhadores e aumentamos o reino. O que há depois daquilo? Nada! Ninguém jamais ousa passar dessas fronteiras.

— Não faremos isso. — A voz de Mauro foi firme como um trovão, atraindo a atenção dos quatro sacerdotes.

Até então o rei pouco tinha se pronunciado, observara a reunião e falava apenas quando solicitado por um deles, mas nesse instante o fazia com força capaz de fazer tremer as paredes de pedra.

— Mas Majestade... — tentou contrapor Henry.

— Lorde Henry, peço que me diga: quais os limites de Morat?

— Como?

— Quais os limites de Morat? Vamos, diga-me! Ou não se ensina isto às crianças do Leste?

O sacerdote engoliu em seco, visivelmente transtornado e respondeu um tanto confuso e acanhado:

— Ao norte, o vulcão; ao sul e ao oeste os mares; ao leste a Floresta Cinzenta.

— Peço que lembre de outra coisa: quais os motivos para não transpassarmos estas fronteiras?

Henry ficou em silêncio, trincando os dentes com uma expressão de desgosto. Deve ter praguejado inúmeras vezes, mesmo que jamais o admita. O rei parecia irritado, mesmo que seu semblante nada transparecesse. Foi o sacerdote do oeste, lorde Enzo, que explanou com sua costumeira paciência e aquela voz pausada que nos causa letargia, impondo um pouco de calma ao lugar:

Da tua Rosa [DEGUSTAÇÃO]Onde histórias criam vida. Descubra agora