Cr.

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Capítulo 10- Cr.

— Entender o mapa do castelo é a parte mais importante de ser um guarda. — balbuciava o comandante, a planta do local estendida sob uma das paredes de pedra, o papel sofrendo sob a pressão de si mesmo.

Toda a parede estava tomada por plantas. Umas mostravam os esconderijos, passagens secretas e outras os diferentes pisos do castelo. Enzo tentava, sem sucesso, decorá-las. Eram muitas saídas, muitas entradas.

— Aqui. — falou o comandante, apontado para o subsolo do castelo. — É o calabouço. — falou, um sorriso maligno moldando o seu rosto quadrado e velho.

Enzo estremeceu. O silêncio estava ali, mostrando o destino de qualquer um que ousasse desobedecer. Tinha acabado de chegar à nova posição e já estava com vontade de voltar. Não, pensou, desistir agora? Depois de tudo que já ocorreu? O melhor é tentar o novo, concluiu.

Encarou o comandante, que deliciava-se com as expressões diversas dos outros guardas. Junto a Enzo, mais cinco guardas foram promovidos, já que não era permitido que apenas um soldado fosse promovido. Essa medida de cautela fazia com que se tornasse mais difícil um ataque à família real, já que se algum guarda novo quisesse atacá-los, os outros, seguindo o objetivo de proteger a família, o impediriam.

Não foi ao acaso que essa medida foi adotada. Corria um boato que a tia de Cruzeira, a primeira rainha, fora raptada e provavelmente morta por um guarda, que era um novato. Ninguém nunca conseguiu achá-los, muito menos saber se ela realmente morta ou se ainda estaria viva. O rei, no entanto, recém coroado, sempre negou essa versão, afirmando sua extrema confiança em seu exército, justificando que a rainha havia morrido de causas naturais. Ninguém nunca ousou o contrariar.

A aula de introdução havia acabado, Enzo levantou-se. Um dos outros novatos então importunou-o, ele arqueou as sobrancelhas:

— Você sabe quando será a hora do almoço? — indagou o homem, fazendo um sorriso tímido surgir nos lábios de Enzo.

— São 8 da manhã. — respondeu, uma risada baixa interrompendo sua fala.

— E daí? Estou com fome, sempre me falaram que o exército come bem. — retrucou, brincalhão, mas com real intenção de saber quando seria a hora da comida.

— Eu sei o tanto quanto você. — respondeu Enzo.

— Sou Índol.

— Reiok.

Os dois então viraram-se e seguiram cada um para suas atividades, mas os dois sabendo que naquela pequena interação, a cumplicidade já havia sido traçada.

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No vilarejo onde morava, Enzo nunca sentiu seu coração palpitar por ninguém além de seu pai. Depois de 6 meses de iniciação, no entanto, ele começou a ter contato direto com a família real. Foi em 22 de março que ele viu o fogo. Os cabelos chicoteando o ar, o vestido balançando sob o leve andar, os olhos perfurantes.

Ele estava de guarda no corredor principal, a área mais nobre para se ficar no castelo. Os outros guardas o encaravam com desconfiança. Como haviam deixado um novato ter uma posição tão nobre?

Enzo, no entanto, sabia muito bem a resposta. Sua aparência agradava o rei, assim como sua obediência. O guarda sabia dos desejos e caprichos do rei em relação aos seus guardas. Todos deviam ser bem aparentados, poucos eram aqueles que não eram belos.

Os cabelos ondulados do guarda sutilmente balançaram com o passar da princesa. Enzo corrigiu os fios. Ela virou o rosto, seus cabelos chicoteando o ar, agora olhando para ele. Ele sentiu-se eletrizado, os olhos dela perfurando-o por um breve momento. Um sorriso moldou os seus gentis traços, seu rosto iluminando-se. Ela virou-se novamente. Enzo sentiu-se desapontado ao não estar mais observando-a.

O sol demorou a se por naquele dia, todas as funções do guarda foram feitas de forma tão automáticas que nem percebeu o bilhete que estava dentro de sua farda.

Guarda Reiok,

Jardins do palácio, início crepúsculo.

Cr.

Enzo não sabia como se sentir diante aquilo. Só poderia ser dela, mas como? O Cr devia, obviamente, significar Cruzeira. Seria uma forma de testar a sua obediência? Aquelas palavras não faziam muito sentido na mente do guarda.

Reiok não sabia muito o que fazer e não tinha muito tempo para pensar, o sol já estava quase em seus últimos raios. Tinha no máximo meia hora, não tinha como pensar, apenas agir. Não ousou desobedecer o pedido do bilhete. Aprumou a postura, saiu do dormitório dos guardas e encaminhou-se aos jardins. Esperava conseguir não ter que ficar de guarda, Índol talvez pudesse o cobrir.

Encontrou o amigo quando já estava a caminho dos jardins:

— Índol. — disse, baixo. — Preciso de um favor. — O amigo o olhou, curioso, a pequena conversa agora despertando a atenção do outros guardas. — Você consegue cobrir minha vigília hoje? — suplicou, a angústia da observação dos colegas o inundando.

Índol, percebendo a angústia no amigo, responde:

— Sim, Reiok. — falou, resignado, um sorriso travesso e malicioso surgindo em seu rosto fino.

Enzo ficou confuso com a expressão dele, mas logo entendeu. O colega achava que ele iria brincar com alguma das criadas. Reiok ficou sério, olhou para o amigo, sacudiu a cabeça num movimento afirmativo e saiu, sabendo que era melhor que todos achassem que fosse aquilo.

Era aceitável, Enzo pensava enquanto o ressoar de seus sapatos enchiam os corredores vazios, que os guardas ficassem com as criadas, mas era totalmente inaceitável que fosse visto com a princesa sem a presença do rei. Era mais seguro omitir isso do seu amigo. O silêncio, às vezes, era a melhor resposta.

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Quando chegou ao jardins, o sol já havia sumido, a luz da lua iluminando as árvores, refletindo no lago dos jardins, o forte cheiro de jasmim tornando o ambiente mais doce. Enzo olhava para os lados, sem ação, não conseguia ver nenhuma forma humana ali. Teria sido aquilo uma brincadeira? Deveria esconder-se? Deveria ir embora? A resposta veio rápido. Um barulho chamou a atenção dele.

Ela estava atrás de uma árvore, encarando-o, roupas diferentes, seu olhar era hesitante. Enzo reparou que ela usava um vestido muito simples, os ombros a mostra. Meu deus!, pensou ele, ela está de camisola!

Ela acenou para ele, o guarda mantendo-se parado. Ele estava legitimamente chocado com a audácia dela. Seus pés começaram a mexerem-se, sem que ele tivesse controle. Seu rosto queimava, suas mãos suavam. Nunca havia visto uma dama daquela forma.

Assim que ele estava perto o suficiente, ela pegou o seu braço e o puxou, quase sem força, mas fazendo ele ruborizar novamente.

— Princesa Cruzeira. — Reiok saudou-a, de forma automática, seus olhos tentando desviar do contorno de seus ombros nus.

— Guarda Reiok. — ela saudou-o de volta. — Perdoe meus trajes, mas alguns imprevistos aconteceram. — Ela falou, encabulada. — Preciso de sua ajuda. — balbuciou, pânico refletindo em seus olhos marejados. — De sua proteção. — falou, como em um último suspiro, seus olhos fechando, ela caindo sob ele, suas mãos hábeis conseguindo evitar que la caísse no chão.

Foi então que Enzo percebeu. Com ela nos braços, como num abraço, viu suas costas. Um corte muito profundo sangrava muito, manchando todo o cetim de seu traje claro, sua carne exposta.

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⏰ Última atualização: Apr 02, 2017 ⏰

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