CAPÍTULO VI - A estrada Final

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  O caminho seguia lento, o silencio instalado entre nós era ensurdecedor, por vezes pensei em esticar o braço em direção ao rádio e liga-lo, mas eu temia. Temia ouvir do outro lado uma voz alertando alguma notícia a qual meu coração ansiava ouvir, eu tinha medo de ter esperança, Marcus o colocara em mim.

  Eu sentia meu corpo inteiro praguejar e implorar por conforto, o carro era velho, assim como tudo o que Marcus possuía; quebrado ou internamente destruído; como eu era.

  E eu era dele, somente dele. Ele deixara isso claro diversas vezes, tanto que isso ecoava em minha mente cada vez que uma faísca de esperança teimava em acender em minha alma. Lutar parecia algo cansativo agora, e isso me aborrecia, estar tão psicologicamente moldada a ponto de aceitar um destino escuro, incerto, coberto de incertezas e perigo, apenas por ser fraca, por não ter a coragem necessária para fugir.

  Isso era o que havia restado da garota que um dia fui. Eu não era nada mais que um borrão, uma alma perambulando por ai ao lado de um homem doentio, que se contentara em ter esse preludio de mim. Um resquício de Sienna...

  — Para onde estamos indo, exatamente?— perguntei, minha voz estava rouca, fraca como todo o resto. Marcus pareceu acordar de um transe, ele apertou o volante com tanta força que os nós de seus dedos ficaram brancos, semicerrei os olhos, esperando algum tipo de represaria. E então ele respirou tão profundamente que me peguei prendendo a minha espiração involuntariamente.

  — Para longe, pequena, muito longe...— Ótima resposta, misteriosa como só ele sabia ser, bufei tristemente, queria algo mais concreto, saber o quão longe da minha antiga vida ele estaria me levando, ele me devia ao menos isso, eu já não era mais a mesma garota de quando ele me sequestrou.

  — Posso ter ao menos um nome?— Decidi insistir, estava farta de temer o tempo todo, e eu queria, na verdade, eu precisava conversar, mesmo que ele se irritasse no final, que me punisse, eu necessitava de contato humano.

  — Sienna, por favor... Sem questionamentos, começou a perguntar demais.— Ele devolveu em tom seco, sem tirar os olhos castanhos da estrada, revirei meus olhos me dando por vencida.

  Tamborilei os dedos no vidro, num ritmo calmo, acompanhando as batidas do meu coração, com o tempo aumentei a velocidade, sentindo meu coração de alguma forma acompanhar tudo, eu estava imersa em um nada, longe daquele carro, longe dele.

  Subitamente senti os dedos dele apertarem minha coxa com firmeza, me fazendo parar, respirei fundo e olhei para ele enquanto as batidas no meu coração começaram a retornar seu ritmo normal.

  — Esta agindo feito uma criança.— Sua voz era autoritária e seus olhos brilhavam, ele estava com raiva, e estava certo.

  "Talvez porque eu ainda seja uma, Marcus", uma vozinha em minha cabeça o respondeu.

  Sua mão continuava em minha coxa, agora apenas pousada ali, ele permaneceu assim um longo tempo e eu apenas encostei minha cabeça no banco, sentindo meus olhos pesarem, implorando por um descanso, e eu me permiti fechar os olhos, relaxando meu corpo por completo.

[...]

  Acordei num solavanco, sentindo meu coração disparado, havia sido um sono pesado, sem sonhos nem pesadelos, apenas a escuridão convidativa. Eu ainda estava naquele maldito carro, esfreguei os olhos com as costas das mãos e analisei o tempo lá fora, o frio se intensificara, o céu agora era pintado de um amarelo alaranjado, algumas nuvens faziam do céu uma paisagem digna de uma pintura.

  Sorri involuntariamente, imaginando o quanto minha mãe adoraria pegar sua câmera e registrar a beleza daquele fim de tarde. Seu sorriso veio a minha mente, toda a alegria e segurança que ele passava, tudo aquilo que eu nunca mais voltaria a ver. Senti meus olhos marejarem e respirei fundo, tentando conter as lágrimas de caírem, eu já havia chorado demais, lembrado demais do passado.

Devoção DoentiaOnde histórias criam vida. Descubra agora