Vida Comum

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- Como é que ela consegue ser tão escrota?

Rebeca fitava o chão, sentada em sua carteira. Sua atenção não estava na aula de compreensão social e muito menos em sua amiga.

- Rebeca? Você tá me ouvindo? - Luana perguntou se inclinando.

Rebeca tirou os olhos do chão e volta ao mundo real. Seus pensamentos estavam fortes demais para que ela os ignorasse. Sem saber por que, ela só pensava em seu pai - o dono de uma livraria da sua cidade, São Joaquim - e não estava se sentindo confortável ali, naquele lugar, naquele momento. Ela notou a presença de Luana e sua incansável insistência de reclamação.

- Desculpa. - Rebeca coçou os olhos, tentando prestar o máximo de atenção. - Oque você tava dizendo?

- Eu tava falando, que essa professora é uma escrota! - Luana sussurrou ao perceber estar falando alto demais. - Ela não sabe nem explicar, olha lá!

A professora de compreensão social talvez não fosse uma das melhores da universidade, mas o grupo docente da instituição era sem duvida um dos melhores da cidade. São Joaquim era uma cidade média, do município de Santa Catarina, com não muitos habitantes, totalizando 26.046. Rebeca escolheu se matricular na Universidade do Planalto Catarinense - Uniplac, em psicologia. Diferente de alguns antigos colegas do ensino médio, de vinte anos como ela. Que escolheram trabalhar no comércio, como vendedores, ou fazer um curso técnico.
A aula terminou e Rebeca queria pegar o ônibus o mais rápido possível. No corredor, Luana alcançou Rebeca.

- Rebeca, você tá bem? - Luana perguntou sutil.

- Eu não sei. Eu tô estranha desde manhã.

Luana pensou por um momento, olhando para a expressão de Rebeca.

- É o seu pai não é?

Rebeca teve receio em responder, mas cedeu sobre o assunto.

- Sim. - Ela olhou para Luana. - A tuberculose dele tá piorando e ele ainda reluta em fazer o tratamento. O único hospital que pode ceder o tratamento pra ele é na cidade vizinha. Mas ele não quer deixar a livraria. Diz pra mim que amanhã ele vai. Mas esse amanhã nunca chega.

Elas alcançaram a porta de saída e saíram para o pátio da entrada.

- Re, eu sei que seu pai não gosta muito dessa história de sair da cidade. Mas se você não levar ele logo no médico, receio que as coisas não vão ficar boas pro lado dele. - Luana gesticulou.

Luana, era uma amiga de longa data de Rebeca. Uma garota um tanto ousada e atrevida, que não se importava com as roupas que usava, desde que elas a agradassem. Assim como a saia um tanto curta que Luana usava. Rebeca não se importava com o jeito de sua amiga, por mais criticada que fosse. Ela ainda tenta encontrar o lado positivo de todos que conhecia, por mais loucos ou estranhos que fossem. Mas a amizade de Luana era valiosa, não importasse quem ousava negar.

- Eu sei disso. Mas não quero forçar ele a nada. Ele já tem cinquenta e cinco anos, não posso ficar mandando ele fazer as coisas. - Rebeca explicou.

- Se você ama seu pai, você tem que fazer o melhor pra ele. Por mais que ele não queira. - Luana colocou a mão no ombro de Rebeca. - Acredita em mim, você não vai querer perder ele assim.

Rebeca olhou atentamente para sua amiga, frente à porta do ônibus já com os motores ligados.

- Agora tchau. Se não o motorista vai te deixar pra trás.

Rebeca recebeu um abraço forte. Todo o desânimo é reconstituído em uma versão de carinho e apoio. Talvez não fosse tão ruim quanto ela pensava. Era apenas conversar e convencer seu pai.
Benjamim Avelar, era um homem chegando a idade avançada - cinquenta e cinco anos - um tanto robusto. Seu amor por sua princesinha, era infinito. Mas todo seu carinho e preocupação era depositado nela, e nada restará para ele. Por esse motivo a saúde de Benjamin se encontrava prejudicada. Para ele o certo era ficar em sua cidade, trabalhando o máximo que pudesse para garantir o melhor futuro para Rebeca, cuidando da casa e dos cachorros enquanto ela ficava fora, estudando. Mas mesmo Rebeca considerando todo o esforço de seu pai, não justificava ele se esforçar de tal forma a ficar doente. Ele devia se preocupar menos com ela, e se importando um pouco mais com sua saúde, que não estava mais em sua melhor performance.
Rebeca embarcou no ônibus que a levaria para o ponto mais próximo de sua casa. A viagem por completo, leva em torno de vinte minutos, um percurso não muito longo para Rebeca. Ela sempre entrava e escolhia o penúltimo banco, da esquerda. Ninguém sentava lá, somente ela. Colocou os fones de ouvido e escutou musicas internacionais, como Human, de Christina Perri, sua música preferida. As musicas brasileiras não faziam muito o estilo de Rebeca, por mais que sua nacionalidade fosse da mesma. Ela preferia musicas que tivessem um toque suave, sempre fazendo com que ela visse o mundo de forma doce e pacífica. Dessa forma ela não se sentia preocupada com os problemas, e sim, se lembraria de momentos bons que as melodias retratavam.
Rebeca conduzida pela música, pegou no sono, e quando acordou novamente já estava próxima a sua parada. Assim que o ônibus estacionou, em um ponto de parada, Rebeca desceu. A parada fica a alguns kilometros da rua de sua casa. Rebeca se sentou no banco de madeira improvisado, pintado de azul pelos moradores locais. Seu pai logo chegaria de caminhonete branca. Um veículo já um tanto ultrapassado, com suas engrenagens rangendo, alguns parafusos enferrujados e uma cor branca mais parecida com beje. A caminhonete era uma relíquia da família, e Benjamin não se desapegava dela mesmo que desmontasse ao meio.

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