Escuridão

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     "A noite é pra quem gosta de ficar sozinho...", Deu uma pausa para arrotar. "...É feita para chorar e lamentar pelos seus erros cometidos", ouviasse alguém falar em uma mesa no canto do bar, com bafo de álcool.
      "Odeio a noite. Me lembra como sou sozinha", a mulher respondeu quase rosnando irritada.
      Eu sai do bar.
      Como podem falar como se me conhecessem? Certo que sempre ando sozinho e não tenho amigos, mas o quão injusto é falar quando sequer conversaram comigo? Eu não sou luz, mas sou eu que te dou os pensamentos mais complexos e lindos que só se ganha quando se está sozinho com o luar. Arghhh... E nenhum obrigado, nenhum sorriso de canto como um agradecimento... Nada mesmo.
      "Danem-se", falei em voz alta enquanto chutava uma lata de cerveja no chão.
      "Eu gosto de você", disse uma voz gentil e alegre vindo do horizonte.
       Parei, olhando pro horizonte. Com uma ironia na boca, abri meus braços em direção a ele, e disse:
        "Então venha aqui"
        Fez-se um silêncio.
        "Me abrace", insisti ainda com os braços abertos.
        Abaixei os braços com um sorriso de canto, sentindo a vitória por estar certo, mas com desgosto por estar certo.
        "Você sabe que eu não posso", ele disse com um tom triste. Ele sabia e eu sabia, mas ele respondeu mesmo assim, como se estivesse se sentindo culpado por não poder. E doeu em mim.
         Virei as minhas costas para ele, não queria que visse meu rosto lamentável mais uma vez.
         "Quantas horas falta?", Perguntei baixo e desanimado, ainda sem me virar pra ele.
         "1 hora e 37 minutos", me respondeu.
         Suspirei.
          "Tenho sorte", o ouvi dizer.
           Me virei e o olhei curioso.
           Ele continuou:
           "Não posso te tocar, mas tenho sorte em poder te ouvir e poder tocar onde você tocou. De certo jeito, nos tocamos sempre"
            "Tocar onde toquei não é nos tocarmos", rebati com frustração.
            Ele ia dizer algo, mas não disse.
            Entrei em um beco, onde eu sentisse que ele não me vê. Sentei no chão, um rato veio até mim se aconchegando em mim. "Até ratos são gratos pelo prazer de poder ficar na escuridão, porque os humanos não?", Pensei calmo.
            Fiquei na mesma posição até passar 1h36min.
           "Está chegando a hora", ele me sussurrou com um sorriso nos lábios.
           Assenti.
           O nosso tempo e o dos humanos não são os​ mesmos​. Compreendemos e aceitamos isso. Pra eles, o dia e a noite são longos, parece demorar um milênio. Para nós, passa em instantes.
         Eu e a Luz sempre estamos em movimento. Conseguimos parar o tempo, mas só faço nos momentos em que estou triste. Luz só me segue.
         Comecei a caminhar.
         Quando faltava 1 segundo pra a cidade ser preenchida pela Luz, fiquei de frente pra linha que dividia eu e a Luz, olhei bem pra ela, estiquei minha mão e me aproximei mais.
         Luz ia dizer algo, mas não disse. Ela caminhou até mim e esticou sua mão em direção a minha.
         Nossas mãos viraram pó, como aquele pó que voa no ar quando os humanos batem os lençóis da cama.
        "Sabe, eu te acho muito lindo", ela disse.
        Tentei dar o meu melhor sorriso.
        "Não sou", respondi.
        "Você é"
        "Você é mais"
        Ela abaixou seu braço ainda sorrindo, mas eu sei o que tem naquele sorriso. Tristeza, ansiedade, pena. Tudo por minha causa.
         Abaixei meu braço depois do dela. Não esbanjei nenhuma expressão. Recuei um passo, a Luz deu um a frente. Recuei outro passo, ela deu mais um.
        Me virei e corri pela cidade o mais rápido que pude, até uma terra no meio do nada, inundado no meu próprio sangue; na minha calma e serena, escuridão.
        "A quanto tempo já fazemos isso?", Sussurrei perguntando a mim mesmo. "Por mais quantos milênios terei que correr dele? Quando poderei o tocar de verdade? Agora mesmo ele deve estar tocando na marca de água que o copo de cerveja fez na mesa. Ele sabe que eu toquei lá é por isso o toca também. Tão inocente. Sou o único frustrado aqui?"
        Não seja tão gentil, Luz. Pare de afagar tanto o meu coração.
        Eu e Luz, por mais que não podíamos nos tocar, gostávamos de brincar com coisas que nos faziam sentir mais próximos. Como quando eu me escondida debaixo dos peixes dos lagos e sentia o calor de Luz sendo passado pela água. Ser abraçado por ele... Essa deve ser a sensação.
        Todos os dias eu podia o ver. Via Luz no horizonte, assim indo embora seus últimos raios; via nas estrelas que me doiam um pouco, mas não se perdia a profunda beleza nunca; via no abajur de dentro de uma casa; via nos lugares mais bonitos. Ela podia deixar pedaços dela em todo lugar, assim como eu, mas a essência dela só ficava onde ela queria exatamente estar, por exemplo, nas praças vendo as crianças brincarem, nas escolas de ensino infantil, no fogo da boca do fogão onde se está sendo feito comida (Luz gosta de fingir que sente os cheiros, sua imaginação faz parte de toda a sua personalidade inocente).
       Luz é luz. Ela é quem todos gostam, ela é doce, quente, animada, é o meu Ying.
      E eu a amo imensamente. A conheço desde sempre e sou apaixonado pelos seus mínimos detalhes e grandes detalhes.
      Faz tanto tempo... Mas tenho quase certeza que nos conhecemos depois de uma explosão... Ou seria um idoso bondoso de barba dizendo algo? Bem, não sei. Só sei que com a Luz eu me sentia alguém, não só a companhia da doença mental dos humanos.

Luz e EscuridãoOnde histórias criam vida. Descubra agora