Foi um acidente.

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Me recuso a lembrar daquele dia com alegria. Apesar de ter sido um dia alegre, não acabou como deveria.

Saímos dos corredores subterrâneos rapidamente. Thomas não era um silfo, mas se movia com a graciosidade e agilidade de um. E também era muito inteligente.

Na última tarde havíamos passado horas discutindo sobre o destino da Guerra, e ele me deu um solução tão prática, que me pergunto como, em cem anos, ninguém havia pensado ou discutido isso antes. "Se houvesse um casamento entre as famílias Calore e Cygnet, provavelmente teríamos uma trégua duradoura". Foram essas as suas palavras exatas, e eu não poderia discordar. Ele tinha razão, e garanto que se o país fosse liderado por Thomas, teríamos um futuro de paz. Para os dois lados.

Mas eu estava aprendendo a admirar outras características dele. Como sua incrível habilidade de me fazer rir enquanto comia macarrão ou bolo em menos tempo que dez soldados comeriam a mesma quantidade. Ou quando me deixa envergonhado por causa do modo como chamava minha atenção. Ou de me instigar a pensar em outras soluções óbvias para os problemas de Norta.

— Nunca vou ser rei, Thomas.

Disse a ele, há cerca de duas semanas.

— Bobagem. Eu acho que você seria um rei muito melhor que seu irmão.

Arranquei um pedaço de grama só para deixar minhas mãos ocupadas. Só de pensar isso já era considerado traição, mas saindo da boca dele, não parecia errado.

— Bom, pelo menos não terei que me casar com Evangeline Samos.

Ele riu, mas segurei seu olhar por mais de um segundo. A verdade é que, se fosse para escolher alguém, eu escolheria ele.

(...)

— Você é muito lento, Mav.

— Você que está correndo!

Ofegante, parei, me apoiando na parede lateral do quartel. Thomas tentava forçar uma porta estreita, então franzi a testa. Estávamos finalmente do lado de fora, mas ele pretendia entrar. Suspirei.

— Eu tenho a chave.

Sua sobrancelha se ergueu, juntamente com suas mãos como se deixasse o caminho livre para mim.

— Poderia ter me poupado disso.

Revirei os olhos, sorrindo. Em dois segundos, girei a chave na maçaneta e deixei o espaço para ele passar. Ele fez o que sugeri, e segui atrás dele.

Senti suas mãos tateando pela minha na escuridão, e quando segurei, pude sentir enquanto ele me colocava contra a parede. Sorri só de sentir sua respiração próxima a minha, e então seus lábios.

Eu precisava controlar o fogo que me consumia. Talvez não fosse uma boa ideia manter a pulseira enquanto estivesse perto dele, mas nesse momento eu não ligava. Queria tocar seu corpo, senti ele acariciar meu cabelo, bagunçar, rearrumar à sua forma. E eu fazia o mesmo com suas roupas.

Um arrepio percorreu minha pele ao sentir sua língua. Era quente, apesar dele ser apenas um vermelho. Ele tinha esse calor natural que me atraía, e fazia minha chama parecer brincadeira de criança. Não hesitei em lhe tocar de volta. Era tudo muito novo para mim, mas Thomas parecia me inspirar na coisa certa a fazer.

Separei nossos lábios, buscando por ar. Ele me abraçou, e nesse momento meu mundo estava perfeito. Não importava mais se minha mãe quisesse me tornar em alguém mais forte. O que ela tentou em anos, Thomas conseguiu em menos de um mês.

O lugar estava escuro, então girei a pulseira e controlei uma faísca na mão, uma pequena chama para clarear o local.

Já era tarde demais.

Ouvi sua voz dizer um "não" bem sonoro, mas a explosão do gás acima de nós foi mais ruidosa.

Fui arremessado para trás, e como estava mais perto da parede, assisti a tudo acontecer em câmera lenta.

Havia um vazamento de gás, algo que deveria ter sido consertado há muito tempo. Senti raiva e medo ao mesmo tempo. Raiva dos oficiais e coronéis que não se preocuparam em consertar isso. E medo de perder a única pessoa se importava comigo de verdade. Que eu me importava de verdade.

— Thomas!

Gritei para o nada, pois ele já estava fora do meu alcance. A explosão o expeliu até uma área do galpão cheia de armamentos, armas pesadas, canos de explosivos e... pólvora.

Tudo já estava em chamas. Acima da minha cabeça, a parte do encanamento responsável por segurar o gás estava aberta, e por ser alta demais, não consegui parar o escapamento. Respirei fundo, tentando pensar em algo útil, e corri para o outro lado. As chamas não me atingiriam. Mas a ele sim.

— Thomas, fique comigo — ajoelhado ao seu lado, eu agitava seu corpo esperando que ele desse alguma resposta.

Já estava ficando desesperado, quando finalmente ele abriu os olhos. Sua voz saía embargada, e parte de sua roupa já havia sido queimada.

— Ei, príncipe.

Engoli em seco, mas arrisquei um sorriso.

— Você me deu um susto. Consegue andar?

Ele fez uma careta, e imaginei que fazer qualquer esforço naquele momento exigia muito dele. Com um suspiro pesado, ele balançou a cabeça negativamente.

— OK. Fique calmo. Eu vou tirar você daqui.

Tentei soar calmo, mas quando tentei tirar seu corpo dali, minha pulseira encostou em um dos sacos de pólvora. Levou apenas um segundo para eu me dar conta, mas quando meu braço girou, ela foi ativada, e uma faísca bastou para colocar todo o lugar em chamas com uma explosão ainda maior que a primeira.

E ele se foi, assim, em meus braços.

Senti a água quente se acumular debaixo dos meus olhos. Apesar do fogo em volta, eu continuava intacto. Porém Thomas não teve a mesma sorte. Ou azar, eu diria.

Não ouvi quando a porta foi aberta. Não ouvi quando os soldados entraram e me impediram de levar o que restara de seu corpo para fora. Não ouvi quando Cal veio correndo e gritou comigo, soando como nosso pai em seu jeito de se preocupar. Também não senti quando me enfiaram em um avião, ou quando Elara tentou descobrir o que havia se passado ao entrar na minha mente. Gostaria que ela pudesse apagar. Gostaria que ela tivesse conseguido quando tentou.

Eu estava anestesiado.

Talvez eu tenha passado dias assim. Meses. A perda de Thomas me tirou mais do que um amigo, um amor. Tirou minha vontade de viver, de mudar o mundo. Eu queria destruí-lo. Nada mais importava, e eu duvidava que poderia amar de novo. Pelo menos, não da mesma forma que o amei.

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⏰ Última atualização: Apr 30, 2017 ⏰

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O Thomas que eu me lembro (P.O.V: Maven Calore)Onde histórias criam vida. Descubra agora