Capítulo 4 – Aceitação
Adão subiu rapidamente pelas pedras, deitou-se sobre a grama, colocou as duas mãos na água formando uma concha e levou aquele líquido até sua boca. A água desceu por sua garganta refrescando toda parede de seu esôfago até cair gelada em seu estômago. Adão bebera sem parar, gole a gole, sentindo o refrescor daquela água no céu da boca, não havia gosto, mas era como se tivesse. Gosto de felicidade.
Enquanto Adão enfiava a mão no riacho para abraçar o máximo de água possível e levá-la até a boca, a imagem refletida na água de adão ainda não produzira a presença de Deus. Porém, quando Adão fitou em sua imagem e sentiu-se saciado, Deus moveu-se pela face das águas e se apoderou da imagem de Adão e falou com ele.
-Por onde andastes, meu querido filho? Perguntou Deus, mesmo sabendo de tudo.
Antes de responder, Adão sentiu-se constrangido em fitar sua própria imagem no riacho, sentia-se envergonhado, sentia-se despreparado para aquele diálogo. Adão queria apenas saciar sua sede e voltar para sua cabana, porém, era preciso responder a pergunta de Deus. Adão ficou mais algum tempo calado, fitou sua imagem e falou com Deus.
- Andei triste. Falou Adão secamente.
- Por que ficaste triste?
- O senhor poderia ter criado as coisas sem a existência da morte, disse Adão ainda com a mão molhada.
- Criação sem morte é apenas espírito, não há matéria que não tenha fim e não há espírito que morra. Cada criação que se materializava deixava o plano espiritual para o plano físico, e este, é feito por contagem do tempo. Logo existe divisão entre começo, meio e fim.
- Qual é o deleite que tens em ver suas criações devorando umas as outras?
- Meu filho, toda matéria precisa de energia, não haveria continuidade da matéria se não houvesse a busca em se manter vivo. Respondeu Deus, confundindo a mente de Adão.
- E isso te deleita?
- Me deleita conversar contigo. Os anjos vivem a me adorar, são seres criados para o meu deleite, mas tu és um ser criado para fazer suas próprias escolhas. Ou você não teve a escolha de se ausentar nestes últimos dias?
- Eu escolhi não matar ninguém, respondeu Adão com sarcasmo na voz.
- Escolheu não matar nenhuma criatura, mas ao menor sinal de fome se deleitou da morte de um deles.
Neste momento Adão procurou se esconder de sua própria imagem, havia vergonha em seu semblante. Adão lembrara do piado desesperado da codorna e ao mesmo tempo sentira seu sabor ainda em seu paladar.
- Deleitastes em comer uma codorna? Perguntou Deus.
-Sim, respondeu prontamente Adão.
- Você lutou contra si, contra sua própria natureza e sentiu de perto o pavor da morte. E quando seu instinto percebeu que havia sobrevivência na morte de outra criatura, agiu para proteger tua vida. É por essa razão que o lobo devorou o pombo, por que não haveria de encontrar outro alimento nas montanhas.
- Mas eu não tive escolha sobre meu instinto, interpelou Adão.
- Eu também não tenho sobre o meu, disse Deus. Por mais que sua revolta tivera o objetivo de me punir, ainda assim, eu te amei em toda sua raiva. Meu perdão é instintivo, meu amor também, e isso faz parte da minha natureza, aceite a sua.
Após terminar essas últimas palavras "aceite a sua", Deus abandonou a imagem de Adão e se retirou. O céu começou a voltar ao seu azul de sempre. Já não havia mais nuvens negras, nem raios, nem trovoadas. Tudo voltara ao normal, tudo estava em seu lugar.
Adão se levantou e caminhou até a árvore que ainda permanecia em chamas. Procurou por algum galho caído na areia, encontrou três de tamanho médio, juntou em seus braços e escolheu uma para tocar no fogo. O galho esfumaçou, se avermelhou e logo estava em chamas como o arbusto atingido pelo raio.
Adão começou a balançar bem lentamente aquele galho em chamas e tentava entender a ação do fogo na madeira. Estranhou que quanto mais ele movimentava o galho, mais o fogo crescia. Encostou o fogo na areia e nada aconteceu, levou até perto do mar e o encostou na água, o galho se apagou fazendo um chiado e fumaça, Adão se encantou. Levou o galho molhado esfumaçado até o fogo, e este demorou a ser consumido pelas chamas por conta da água em seu corpo. Após alguns instantes o galho tornara se incendiar.
Dirigiu-se a outro arbusto e encostou o fogo em suas folhas, que prontamente se amarelou e seus galhos fora contaminados pelas chamas. Adão procurou mais gravetos e galhos, os juntou todos num monte e ateou fogos em todos eles. O primeiro homem do mundo estava aprendendo a dominar o fogo.
Naquela primeira fogueira havia o fogo incendiando a madeira, mas também havia fogo da dúvida no coração de Adão. "Será que era melhor aceitar a natureza humana ou lutar contra ela?". Enquanto Adão conversava consigo mesmo tendo seu rosto iluminado pela rubro brasa daquele fogo, o mar se revoltara pouco a pouco. As ondas se avolumavam e quebravam próximo a cabana de Adão. Quanto mais as ondas se aproximavam de Adão, mais ele fitava o fogo e perguntava a si mesmo a cerca da vida.
As águas do mar tão próximas a Adão de forma tão revolta e voraz, mas ele pouco ligava. Adão queria obter respostas as suas próprias perguntas, Adão gostaria de se convencer de alguma tese que lhe fizesse sentido. Enquanto Adão viajara em sua própria mente, as ondas do mar se aproximaram da fogueira de Adão, ao ponto de lamber a ponta dos galhos em brasa. Aquele som da água em contato com o fogo fez Adão despertar de seus devaneios.
Adão despertou num súbito e logo viu as águas do mar preparadas para apagar sua fogueira, porém não havia o que fazer, não havia como dominar o mar, não havia como deslocar a fogueira de lugar. Adão ficou observando o instinto do mar e o instinto do fogo, ambos lutavam para vencer aquela disputa. O mar levava vantagem pelo seu volume e poder, porém, o fogo não se entregou facilmente, a cada galho molhado o fogo tentava secá-lo com seu calor. Até que uma onda impetuosa cobriu por completo aquela singela fogueira, suas águas foram até a porta da cabana de Adão e voltou para o mar. Em seu caminho de volta, um peixe de porte médio ficou enganchado nos galhos que formavam a fogueira.
O peixe se debatia entre os galhos que esfumaçavam e ainda lutava para voltar a ter fogo. Adão de pé olhava o peixe tentando lutar por sua vida, enquanto os galhos voltavam lentamente a se avermelhar pouco a pouco. Até que a fumaça encobriu o peixe, e esse foi lentamente paralisando seus movimentos até se debater pela última vez sua calda.
Os galhos estavam em brasa e o peixe entrelaçado. A fumaça começava a mudar seu aroma, o simples cheiro de madeira queimada era somado ao cheiro daquele peixe assando-se aos poucos. O perfume do peixe assado chegou até as narinas de Adão que prontamente se aproximou das brasas. Adão viu as escamas do peixe começarem a dourar, e resolveu procurar um outro galho para espetar aquele animal. Achou um galho pontiagudo perto de sua cabana, voltou até a fogueira e começou a cutucar o peixe. Atravessou aquele pequeno pedaço de pau por entre o corpo do peixe, levantou e observou sua forma e seu cheiro, aproximou de seu nariz, sentiu o calor de seu corpo assado e o aroma de sua carne. Não se conteve e abocanhou o peixe, as escamas soltaram-se em seus dentes e a carne branca entre espinhos se desfiava entre o vapor. Abraão provou daquela carne leve e suspirou de prazer com seu sabor. Naquele momento entre a mastigação da carne e a busca por outro pedaço, Adão respondeu: "não há outro caminho, aceito minha natureza".
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Os segredos do Jardim do Éden
General FictionNessa ficção todo segredo por trás da criação e seu cotidiano é contado de forma envolvente e reveladora. Adão foi protagonista do rumo da humanidade, mas não da forma que conhecemos. A cada semana um capítulo novo é apresentado ao público.