Quando o sol nascera no paraíso, Adão acordara com uma áurea diferente, já não havia mais culpa em si, não havia peso ou questionamentos sobre a morte para gerar vida, havia sim, uma leveza de quem aceitou a natureza e sua criação com o peito aberto.
Adão seguiu para o riacho para falar com Deus, e pelo caminho viu pássaros com insetos na boca, avistou uma águia num voo rasante em busca de um roedor no vale, carcaças de alguns animais estavam pelo caminho, a natureza estava se alimentando e sobrevivendo no jardim de Deus.
Quando Adão fitou sua imagem na água, o espírito de Deus se apoderou dela e falou com o homem.
-Como está meu filho querido?
- Estou leve. Respondeu adão com um sorriso no rosto.
- Se soubesses como gostaria de levar no rosto este sorriso após sentir o sabor de um peixe feito na brasa.
- Mas tu não sabes de tudo? Questionou Adão perplexo.
- Tudo eu sei, aquilo que é ciência e conhecimento estão em mim, cada fragmento que ronda este universo é de meu conhecimento. Porém, o que envolve a matéria, o espírito não pode interferir se não houver corpo. Criei os peixes, as aves, os frutos e não posso sentir o sabor deles. O espírito não se alimenta, não tem paladar, tampouco se surpreende com as sensações degustativas.
- Quer dizer que o Senhor não sabe o sabor do morango?
- Não, apenas sei toda sua composição como matéria.
- Mas como pode criar algo tão delicioso e não provar? Insistiu Adão.
- Por isso que considero tu, a minha maior criação, pois, você é o único que produz em mim a sensação contemplação, posso degustar de sua inteligência, provar dos seus sentimentos, sentir as tuas dores e sensações. Pois, todas essas advém do espírito. Nem o frio, nem o calor, nem a fome são de conhecimento do espírito. Explicou Deus.
- Mas haveria alguma forma de você poder sentir as mesmas sensações que eu? Sentir o frio, os sabores, as texturas?
- Sim meu filho. Mas seria necessário que eu me apropriasse de um corpo.
- Então por que não se apropria do meu?
- Não é possível. Cada corpo detém seu próprio espírito. Seria necessário que eu tivesse meu próprio corpo, mas para isso, todo o sistema harmônico que criei seria corrompido. Só através do corrompimento de tudo que fiz me daria a chance de ter um corpo.
- Gosto de tudo que o senhor criou, não quero que isso acabe.
- Não acabará meu filho. Basta ouvir o que lhe digo.
Adão foi se distanciando lentamente do riacho, caminhando pela grama e pensando na conversa que acabar de ter com Deus. Pensava consigo mesmo no sentido de se criar coisas lindas e maravilhosas e não poder desfrutar de nenhuma delas.
Olhou para o pomar do Éden e observou as cores vivas e alaranjadas das tangerinas que sobressaiam entre o verde das folhagens. Adão correu para se aproximar daquela árvore, e não foi preciso nenhum esforço para colher aquele fruto, dezenas deles estavam diante dos olhos. Adão puxou uma tangerina do galho, se assentou, inclinou o corpo na árvore e descascou o fruto.
Adão separou o gomo em seus dedos e foi colocando um a um na boca, sentindo com prazer o sabor cítrico daquele fruto. Sua doçura e acidez produziam sensações de prazer em Adão, que prontamente lembrara da conversa com Deus. Quão triste era para Adão, imaginar que Deus não pudesse degustar daquele sumo, daquele sabor, daquele suco delicioso que escorria de cada gomo. Deus era a pópria sabedoria, mas ao mesmo tempo a ciência estava limitada no plano espiritual, Deus não poderia fazer o que os seres de carne osso faziam.
Adão imaginou o quanto era para Deus não sentir a brisa fresca da manhã, a textura da grama molhada, o cheiro e o frescor de caminhar pela praia, Deus não pudera sentir as sensações mais gostosas e normais ao homem. Adão não pudera conceber o fato de Deus não pudesse sentir a sensação de renovo de um banho de cachoeira, de sentir a queda d'água sobre os ombros, do alivio que se tem após um dia desgastante poder mergulhar no riacho e sentir as águas carregarem com ela todo seu stress e cansaço. Deus não se cansava, Deus não precisava de renovo, Ele era, antes mesmo de Adão existir, Ele sempre foi e sempre será. É a concepção mais simples sobre eternidade.
Se debruçar sobre o fato de que toda pelugem de um ovelha, era, para Deus apenas a junções de matérias, porém, não havia nEle a ternura de sentir entre os dedos a maciez provocada pela altura e espessura dos pelos embrenhados um o outro. Deus sentira apenas a dor ou o sentimento daquele animal, mas não podia entender quão agradável era abraçá-lo e sentir seus braços envoltos nesta pelúcia.
Adão ainda sugava o sumo do ultimo gomo de sua tangerina, mas sua mente fitou uma videira e observou os enormes cachos de uvas que se apresentavam com tamanha perfeição e beleza. Eram uvas redondas dum roxo azulado e brilhante. Adão engoliu seu último gomo de tangerina, e apressou-se em buscar do outro lado do pomar um cacho daquela uva.
Ao desprender o cacho do galho, retirou uma uva do cacho e colocou a boca, seus dentes pressionaram aquela fruta com cuidado - do mesmo modo que os seres humanos que vieram após Adão fazem ao chupar uma uva- a uva pressionada até que sua casaca não aguentou a força imposta e explodiu na boca de Adão, liberando seu suco que misturara aos caroços e era delicadamente somada às fibras da casca, o que produzira na boca um sabor doce e ao mesmo tempo amargo pela rigidez de sua casca.
Adão sentiu-se ainda mais indignado por saber que Deus preparou uma fruta tão vistosa e saborosa apenas como junções de matérias, mas que em nenhum momento sentiu as sensações que ela produzira na boca, e como agradava o paladar e consequentemente seu cérebro era invadido por uma saciedade e alegria que tomara conta de todo corpo.
Adão sentiu na alma o mesmo que sentiu quando viu o pássaro sendo consumido pelas chamas, Adão sentiu pena de Deus.
Deixou o resto das uvas na grama do Éden, enquanto se distanciava do fruto, alguns animais que viviam em volta do pomar trataram de buscar aquele cacho e devoraram-no. Cada passo dado Adão se lembrara das sensações que o Jardim do Éden lhe produzia, e que Deus não poderia sentir nenhuma, apenas receber dele o resultado final dessas sensações, impressas na alegria, tristeza, medo, pavor, angustia, paz, temor... Era assim que Deus interpretava pela alma de Adão as sensações físicas que o paraíso proporcionava a Adão. Deus se conectava a alma de Adão e absorvia os sentimentos que estão além do plano físico.
Adão caminhou pelo riacho. Deus o acompanhou, mas não houve nenhuma palavra dita de Adão para Deus, nem de Deus para Adão. Foi um caminho de total reflexão. Adão caminhara como se Deus ali não estivesse, e Deus respeitou o momento de Adão.
Ao chegar na praia Adão sentou-se na areia, olhou para o horizonte com a imensidão do mar, observou o sol por de trás das nuvens, este já estava avermelhado, pronto para se pôr, e antes que o astro rei pudesse se esconder totalmente atrás do mar. Adão num lapso de pensamento disse: -Eu tenho um plano.
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Os segredos do Jardim do Éden
Ficción GeneralNessa ficção todo segredo por trás da criação e seu cotidiano é contado de forma envolvente e reveladora. Adão foi protagonista do rumo da humanidade, mas não da forma que conhecemos. A cada semana um capítulo novo é apresentado ao público.