As águas

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Era a primeira noite em que Adão dormira com o peito em brasa dos sentimentos que jamais sentira

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Era a primeira noite em que Adão dormira com o peito em brasa dos sentimentos que jamais sentira. Era tudo novo, era intenso, sentir tristeza era algo voraz. Antes de pegar no sono, chorou cântaros, gemeu aos sussurros e aos soluços compassados, e assim, foi fechando levemente os olhos como se tudo fosse apagar. Mas o som do soluço lhe fazia abrir os olhos num lampejo e novamente aquele ciclo tornara a se repetir: choro, gemidos e soluços; até que Adão dormiu.

A obra da criação estava agora reconectado com o sobrenatural, Adão dormia, Adão sonhava, e o mundo enigmático dos sonhos fez Adão novamente relembrar do seu princípio no Jardim do Éden. Das conversas com Deus no fim da tarde, ao pôr do sol. A visita diária de Deus era a melhor parte da vida no paraíso para Adão.

No jardim do Éden Havia um caminho feito grama com pequenas rochas que sublinhavam o atalho, havia árvores por todo canto, os pinheiros acompanhavam todo atalho até o inicio de um riacho límpido e cristalino. O riacho nascia como uma pequena queda d'água dentre um pequeno monte de vegetação rasteira, pequenas árvores cobriam a nascente. A água se avolumava após se concentrar numa piscina natural feita de rocha branca, tornara a cair até tornar-se um caminho de águas por todo o jardim. Um caminho de pequenas pedras dividiam o rio ao meio, as águas desciam pela esquerda e pela direita daqueles degraus rochosos, por onde poderia se caminhar sobre o rio até o seu deságue no mar.

Adão escolhera morar de frente a praia, uma pequena cabana feita de grandes folhas e ramos de flores contornavam sua morada. Para chegar até seu local de descanso, a criatura de Deus poderia descer pela margem do rio, acompanhando suas curvas de água, pisando em grama verde e orvalhada até chegar à areia branca da praia, porém, Adão ansiava sempre pulara primeira pedra que o colocara no meio do riacho e descer os degraus naturais pelo meio das águas. Adão sabia que era momento de voltar para casa quando o sol começava a se esconder atrás da mais alta colina do jardim. Aquele amarelo dourado irradiava a grama e Adão adentrava no riacho.

No momento em que Adão pisava nas pedras, sua imagem refletia na água como um espelho real. A imagem de Adão era projetada nas águas, Adão se via, Adão se reconhecia e as águas se moviam tremendo a imagem refletida de Adão. E o espírito de Deus que se movia sobre a face das águas desde o princípio, se apoderava da imagem de Adão, e assim, aquele reflexo de imagem e semelhança de Adão, Deus falava com ele.

Para quem olhasse, poderia imaginar que Adão falava com sigo mesmo na água, uma conversa que os homens de hoje realizam em frente ao espelho, mas ali o diálogo estabelecido durante o caminho entre o criador e a criatura era mágico. Deus gostava de conversar, Adão adorava o diálogo. Era um caminho até a praia recheado de diálogos complexos, as vezes frívolos ou sem profundidade filosófica, mas não são assim, os diálogos entre os amigos?

- Adão, meu querido filho, o que descobriste hoje no jardim? Perguntou Deus.

- Um fruto deveras perfumado, vistoso e suculento. Respondeu Adão.

- Onde o encontrou? Questionou o criador.

- Num pomar na parte alta do jardim, onde a luz do sol parece ser mais inflamada. Eu procurara me esconder do calor que parecia aquecer minha pele, encontrei uma árvore cheia de folhas grossas. Achei que ali estaria protegido da luz do meio dia, enquanto eu me encostara sobre seu tronco, senti um perfume adocicado que invadia aquele lugar. Explicara Adão ao mesmo tempo em que agachava nas pedras para tocar a água.

- É bom sentir os aromas, não é Adão?

- É uma sensação prazerosa e ao mesmo tempo intrigante, disse Adão rodeando o dedo na água.

- Por que acha intrigante sentir os aromas?

- Todo dia eu me deparo com um aroma diferente, porém, quando encontro algum aroma já conhecido, fico confuso em tentar entender como reconheço algo. Como aquele cheiro pode ser transformado em lembrança, sem que haja imagens, os aromas ficam anotados dentro de mim e eu consigo apontar de onde ele pertence. Contava Adão enquanto puxava uma flor amarela que brotara no meio da pedra.

- Não gostaria de guardar tais aromas dentro de ti? Gostaria de esquecê-los após senti-los?

- De maneira alguma! Respondeu Adão cheirando a flor que havia apanhado. Eu amo sentir os cheiros, desde que acordei no Jardim, lembro-me de cada dia que vivi, através dos cheiros e do que vejo.

- Continue falando sobre o fruto. Pediu Deus.

- O aroma era adocicado, mas também havia uma mistura floral, como se o meu nariz ao sentir tal cheiro reproduzisse na boca o seu gosto. Eu procurei ao entorno, mas o fruto estava naquela árvore. Olhei para cima e vi enormes frutos pendurados cada um em seu próprio galho. Não havia ramos. E sua casca tinha a mesma cor do céu neste exato momento.

Adão tentou reproduzir a cor do céu naquele momento de pôr do sol, o degradê avermelhado passando pelo laranja e terminando amarelado.

- Era grande o fruto? Perguntou Deus.

- Sim. Maior que a palma de minha mão. Usei as duas mãos para pegá-lo, coloquei entre as mãos e mordia sua casca, era amarga, mas por dentro havia uma polpa tão amarela quanto o sol. Abocanhei aquele fruto e seu suco, que era mais espesso que dos demais frutos, escorria pela minha boca e manchava minha mão. Seu caroço era grande.

- O que achou do sabor?

- Era tão doce que ardia a parte de traz da boca, perto da orelha. Seu suco deu-me uma sensação de prazer. Respondeu Adão, jogando a flor no riacho e prosseguindo sua caminhada.

- E pensou em algum nome para ele? Falou Deus naquela imagem tremula.

- No primeiro momento eu só pensei em como tirar tantos fios presos nos meus dentes. A sensação de que eu tinha cabelos da boca foi esquisita.

Naquele momento a imagem de Adão refletida na água sorriu.

-São fibras, disse Deus. Usei as fibras para poder ter um fruto com muita polpa e formato arredondado.

- É delicioso, sorriu Adão. Eu pensei em chamá-lo de manhã, mas não quero repetir nomes para não me confundir. Então nomeei a fruta de manga, pra lembrar o amarelado do sol pela manhã.

- O nome ficou muito bom Adão, concordou Deus. Fiquei feliz por ter gostado do fruto.

- Deveras!

Ao responder, Adão se viu dando o passo na última pedra antes de colocar os pés na areia, percebeu que era o fim da jornada e se despediu.

- Pai, vou descansar, hoje eu andei mais do que deveria.

-Descanse Adão. Cuidarei de ti.

Adão seguiu pela areia até encontra sua cabana folhada e florida. Admirou o mar e suas ondas, e olhou para o horizonte ao som das ondas. O Sol estava quase todo coberto pelas águas e a noite caíra sobre a face de Adão. A criatura de Deus entrou para sua cabana, deitou sobre algumas folhas e adormeceu.

Enquanto Adão dormia, Deus se moveu pelas águas e reestabeleceu as espécies marinhas que haviam sido devoradas por seus predadores. Havia quantidade suficiente para suprir a necessidade de alguns dias da cadeia alimentar no oceano, mas ainda assim a defasagem diária poderia desencadear um desequilíbrio no bioma. E assim foram criados ao som da voz de Deus, cardumes e cardumes de peixes. Plânctons, corais, crustáceos, moluscos e boa parte de algas.

Ao amanhecer tudo estava completo e renovado. O sol nasceu no Edén.

Os segredos do Jardim do ÉdenOnde histórias criam vida. Descubra agora