Four.

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09 de dezembro

A pouca claridade me faz arrepiar, quando Zayn desliza o seu dedo pelo interruptor, acendendo a pequena lâmpada pendurada de uma forma totalmente amadora no teto. Depois de subir uma escada no escuro, me encontro exausta. Minhas mãos estão levemente trêmulas e um gelo se instala em meu estômago.

"—Serei breve." Sua voz ecoa por todo o local, quebrando o silêncio e me fazendo pular de susto."—Preciso de uma secretaria, sabe usar um computador?"

Se eu sei usar um computador? O que você acha?

Sorrio mesmo sabendo que ele não está me olhando nos olhos, tenho certeza disso pois a claridade escassa do quarto clareia apenas sua cabeça e o início do seu peitoral. Suas mãos estão apoiadas em sua mesa aparentemente velha e seu maxilar travado, como se conversar comigo fosse desgastante.

"—É o que eu faço de melhor." Digo juntamente com uma risada tímida, mas ele parece não aprovar, visto que o mesmo nem se move.

"—Te mostrarei a casa e irei te dar a chave da porta principal, há apenas um quarto no qual eu não quero que você entre."

Ele diz com uma certa dificuldade, me fazendo balançar a cabeça rapidamente em sinal de concordância, mudando a minha resposta logo em seguida ao me lembrar que o mesmo não me vê.

"— Entendi."

O soldado solta um suspiro cansado, parecendo distante. a pequena chama acessa dentro da lâmpada se apaga assim que o mesmo a desliga, tornando a escuridão assombrosa novamente.

"— Percebi que não gosta de luz." Digo enquanto o sigo com uma certa dificuldade, o que não parece ser tão difícil assim para ele, visto que bati três vezes em alguns móveis da casa.

Ele não me responde, pelo contrário, ele abre a porta e encara meus sapatos, esperando que eu saia de sua casa. O cinza carregado de neve ilumina os meus olhos claros, deixando os meus cabelos bagunçados novamente. Passo por ele sem dizer nada e paro em sua pequena varanda coberta por neve.

Prendo a respiração criando coragem e me viro para o soldado, que encara o chão, dessa vez, do lado de fora.

"—Então, eu tenho um emprego?"

O silêncio é quebrado apenas pelo barulho da porta sendo fechada agressivamente. Salto de susto e engulo em seco, sentindo os meus batimentos cardíacos mais acelerados que o normal.

Por que diabos ele não quer me olhar mais?

Antes que minha mão toque na campainha, a passagem se abre, mostrando o homem com quem eu acabara de conversar. Ele me entrega um papel com alguns termos em letra minúscula, a sua mão enfaixada está sangrando mas ele parece não se importar.

"—Posso te ajudar com isso, eu fiz um curso de enfermagem há alguns anos e eu sei com..."

"—Apenas assine o papel e volte amanhã." Zayn fala de uma forma grotesca, porem calma, entrando em sua residência novamente.

Decido dar um tempo ao pobre homem e retorno à minha casa, sentindo o ar gélido assim que encosto na maçaneta da porta de vidro. Deixo minhas botas ao lado do carpete de boas vindas dentro de casa e vou até a sala, recolhendo uma caneta esferográfica azul para que eu possa assinar o contrato.

"Você concorda que ao assinar este termo, deve estar 24 horas à disposição do seu chefe, tendo como o trabalho sua prioridade."

Rio baixinho ao perceber que há mais regras do que eu imaginava e assino o meu nome rapidamente, sem ao menos virar a segunda página. Afinal, o que pode haver de tão errado em um simples contrato?

Coloco a caneta em seu lugar e me levanto, subindo as escadas rapidamente. Pego o meu celular sobre a cama e envio uma mensagem ao Robert, proprietário da casa onde estou.

Depois de informá-lo que arrumei um emprego, recolho a folha sobre a mesa no andar de baixo e coloco os meus sapatos novamente, respirando fortemente antes de ir atrás do meu novo chefe.

Eu gostaria de saber sobre o seu comportamento, o que o deixou assim. Queria ouvir suas histórias e desvendar os seus pesadelos. Sempre tive uma grande paixão pela psicologia, foi uma pena não ter tido dinheiro o suficiente para pagar minha faculdade em Washington.

Existiu uma época em que eu desejei mais que tudo atuar na medicina, porém com os problemas e as dificuldades, resolvi enterrar isso com toda a minha independência.

Venho de uma família pobre, meus pais nem fazem ideia de que estou morando de favor em uma casa onde devo três meses de aluguel. De qualquer forma, não importaria o quanto eu implorasse, eu jamais teria ajuda deles, porque eu mesma fui a causadora de toda essa miséria quando bati a porta atrás de mim e coloquei os pés no mundo. Agora com um trabalho, finalmente poderei começar a viver. Viver de verdade. Sem precisar de ajuda ou implorar para ficar mais um mês em uma casa que eu mal tenho condições de pagar.

Desço as escadas e recolho as folhas com a minha assinatura. Zayn disse que eu devo retornar amanhã, então é melhor esperar conforme ele mandou, aparentemente o homem tem problemas demais e eu não quero causar mais.

Logo após subir os degraus de madeira, observo a figura debruçada sobre o peitoral de sua varanda. Agora, ele carrega consigo uma expressão quase de dor, como se ainda restasse algum fio de humanidade presente ali. Fixo os meus olhos na paisagem sombria transmitida por Zayn e mordo o meu lábio inferior, pensando em como seria verdadeiramente satisfatório se o mesmo falasse comigo.

Quando me aproximo mais da minha porta de vidro, posso ver os seus lábios se moverem lentamente, ele sussurra algo, como uma melodia. Não era Inglês e tão pouco Alemão, parecia mais russo.

Em um gesto rápido, seu olhar se levanta, fixando seus olhos claros em mim, fazendo-me estremecer. Mas é claro. Ele sempre soube que eu estava ali, ele veio da guerra, a essa altura ele estaria morto se não soubesse como identificar alguém de longe.

Desvio minha atenção para o chão e decido puxar a cortina para tampar a minha visão, embora eu queira observá-lo mais, sei que não é o correto. Em vez disso, eu puxo o cobertor e resolvo dormir novamente.

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