A expressão de Billy poderia facilmente ser substituída por uma grande interrogação naquele momento. A história de Scarlet parecia cada vez menos real e cada vez mais um devaneio. Até que ela postou a cabeça no meio dos joelhos, abraçou as pernas e começou a chorar, deixando-o sem reação. Ele não era bom lidando com sentimentos, mas resolveu dizer algo.
- Olha, você não precisa contar se isso for te machucar. - Billy pensou em por a mão em seu ombro, mas não via como isso ajudaria em algo.
- Não. A história ainda não acabou. Eu tenho que fazer isso. - Agora ele podia ver ela apertando os dedos contra a própria pele da perna. Sua dor era quase algo palpável. - Eu tenho que lembrar a mim mesma o porquê do que eu estou fazendo e do que ainda vou fazer.
- Tudo bem... - Ele estava desconfortável em vê-la naquele estado, mas não sabia o que fazer para ajudar. Resolveu não intervir mais do que apenas perguntar. - Então, o que aconteceu?
- Bom, depois disso, meu pai enlouqueceu. Ele queria fazer de tudo para resgatar minha mãe. Chegou ao ponto de ir ao meio da cidade, gritando que todo cidadão que amasse seu reino, se juntaria a ele pessoalmente para irem resgatar a rainha. A notícia do sumiço de minha mãe se espalhou por toda a cidade, mas por algum motivo não passou disso. Não foi noticiado em outros reinos, nem mesmo em outras cidades, o que já era algo de se estranhar. E então, o conselho reuniu-se juntamente com o rei. Nem podiam imaginar como ele estava se sentindo sem minha mãe, as milhares de coisas ruins que passavam em sua cabeça, fazendo-o se afogar no álcool e quebrar todos os quartos do castelo, mas ainda assim, acharam que haviam conseguido convencê-lo de que o mais importante agora era que ele se mantivesse no poder, no controle do reino, apesar de que ele mesmo já aparentava ter perdido o controle de si. Tudo se tornou aparência, o desaparecimento de minha mãe, a guerra, a crise eminente, tudo empurrado para debaixo de um tapete de ilusões de que estava tudo na mais perfeita harmonia só para conter possíveis manifestações do povo. - A expressão de tristeza e dor na face da princesa foi aos poucos se moldando em um rosto que exalava ódio, revolta e impotência. O garoto, sem perceber, passou a sentir uma grande empatia por aquela pessoa que sofria próximo a ele. Isso era algo novo para ele, então resolveu questionar:
- Como você... - Buscar palavras em sua mente nunca havia sido tão difícil. - lidou com tudo isso?
Silêncio. Nada além do som do crepitar da fogueira e da chuva fora da caverna.
- Eu tentei ser forte, principalmente por causa do meu pai. Se ele me visse sofrer, talvez acabasse tomando alguma decisão errada. Mas eu sentia muita falta de minha mãe, e era difícil esconder. Eu deveria ter aguentado mais, pelo bem do meu pai, mas então, há dois dias, enquanto eu ia para o meu quarto, acabei adentrando em uma sala que a muito eu vinha evitando. A Sala da Realeza, local onde ficavam guardadas todas as fotos e estatuetas da família real e de nossos ancestrais, e lá, eu vi meu pai, o rei, o homem mais forte e honrado que eu já conheci, chorando com uma garrafa de bebida na mão, aos pés de um grande retrato tirado no dia em que eu nasci. Na foto, minha mãe me segurava nos braços e sorria, enquanto meu pai observava pelo vidro da sala da maternidade com um rosto abobalhado. - Billy estava realmente machucado, os cortes na pele, o furo da flecha em seu ombro e todas as outras feridas em seu corpo doíam, mas o maior fardo de dor cabia à princesa. Ela prosseguiu:
- Agora, o que você precisa saber que meu pai sempre odiou religião, sempre teve aversão à ideia de deixar sua vida à mercê de um ser acima de nós que regula e rege nossa existência. Porém, naquela noite, ele rezou. Rezou como se fosse a última coisa que ele faria, segurando o terço com tamanha força que parecia depositar toda a sua confiança nele, da mesma forma que fazia com a espada. E quando eu o ouvi chorar, me deixei levar e não consegui conter as lágrimas, mas quando ele percebeu que eu estava ali e chorando também, ele parou, levantou-se e caminhou até mim. Disse: "Filha, tudo vai ficar bem, seu pai vai afastar esse monstro para longe dessa família."
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Os Quatro Eremitas
AdventureO inevitável destino faz com que o caminho de um jovem mercenário se cruze com o de uma princesa perseguida. O sofrimento, condição inerente à existêcia humana, obriga o indivíduo a viver e tornar o meio ao seu redor em decadente antro de morte e de...