CAPÍTULO QUATRO

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CAPÍTULO QUATRO

por Laura


A oficina Nas curvas de Venturini já existia há mais de vinte anos, trabalhávamos com conserto de carros, motos e bicicletas.

Desde criança eu vivia dentro da oficina, os funcionários e clientes diziam que eu era a mascote daqui, na época.

Sempre gostei de andar de moto, desde quando era criança e me colocaram para andar pela primeira vez.

Mesmo minha mãe tendo morrido pilotando, isso não me traumatizou a ponto de fazer com que eu abandonasse esse meu amor por motos. Às vezes penso que até aumentou.

As pessoas tem a tendência a sempre colocar a culpa nas motos e nos motociclistas, mas nem sempre é assim. O caso da minha mãe é uma dessas exceções, ela estava andando corretamente, seguindo todas as normas, mas quando estamos dirigindo, pilotando ou até mesmo caminhando, ficamos sujeitos e expostos às demais pessoas.

Aos doze anos, eu já conseguia identificar problemas mecânicos nas motos mais rápido do que alguns funcionários do meu pai. Conseguia identificar pelo mais suave som que a moto emitia, pelo ronco diferente, a falha na partida, o fato de agarrar na aceleração, tudo sempre me dizia qual era o problema. Descobrir essas coisas fazia parte das minhas brincadeiras de criança, na verdade, representavam mais de noventa por cento das minhas brincadeiras.

No fundo, nem sabia se eu considerava como brincadeira, mesmo comemorando como se fosse a conquista de uma casa de bonecas completa ou um gol numa partida de futebol, para crianças "normais", aqueles momentos eram a forma que eu tinha de ter alguma ligação com a vida do meu pai. Sempre que eu estava nessa caçada para descobrir um problema ele parava e ficava olhando para mim, esperando o que eu diria. Era raro ter essa atenção voltada para mim, por parte dele, mas via o orgulho no seu rosto e até alegria quando as pessoas elogiavam esse meu "poder", essa facilidade, não sei ao certo do que se tratava. Com isso, tinha como objetivo buscar qualquer reação dele que pudesse.

Desde nova, aprendi que necessitava de uma espécie de aprovação dele, seja pelo motivo que fosse.

As crianças sonham com brinquedos, viagens, passeios, profissões ou coisas lúdicas. Eu, só queria agradar o meu pai.

Meio que sem querer, querendo, acabei virando mecânica oficial das motos aqui na oficina. O que é mais engraçado é o fato de eu nunca ter cogitado ser outra coisa.

No inicio, meu amor por motos podia até ter começado por causa dos meus problemas de carência com relação ao meu pai, mas com o passar do tempo, o trabalho com motos se tornou apaixonante, desafiador. Acho que trabalhar com o que se ama não tem preço.

Recebi muitos olhares desconfiados; muita gente que rejeitou ter sua moto consertada por mim, só por eu ser mulher; pessoas que pediam para que o serviço fosse desfeito; tantas situações absurdas. Cheguei a sugerir ao meu pai, na época, que eu consertasse meio que escondido. Eu faria o serviço e outra pessoa assumiria, fazendo só a entrega. Meu pai disse para eu nunca ter vergonha e querer mudar quem eu era por causa da opinião alheia. Completou dizendo, que não seria desistindo, encobrindo algo, que eu conquistaria o meu lugar. Ele estava certo. Essas situações aconteceram lá no meu inicio, mas era bom relembrar, principalmente, para ver quanta coisa mudou.

Nem sei que horas o meu pai se levantou e como estava a sua pós-bebedeira. Era pouco mais de oito da manhã e a oficina já estava a pleno vapor.

Em duas rodas - DEGUSTAÇÃOOnde histórias criam vida. Descubra agora