Durante muitos anos me perguntei o que eu era. Não é um caminho fácil a se seguir, principalmente quando se está sozinho. Aos meus 8 anos tive minha primeira experiência como transmorfo. Eu era apenas um garotinho quando acordei com nadadeiras e pensei ter tido um pesadelo, contei para minha mãe e ela me abraçou dizendo que era tudo um sonho ruim. Apenas um sonho ruim, que hoje completa 18 anos. Na época não tínhamos computadores como os de hoje, videogames, nem todas essas merdas tecnológicas.
Desculpe o palavreado, sou um garoto dos anos 90.
Quando tinha 14, estava tomando banho e me transformei em um siri. Eu lavava tranquilamente meu cabelo e de repente senti minha pele endurecendo, uma crosta se formou ao meu redor, minha visão ficou turva e surgiram pinças no lugar de mãos. Meu casco era avermelhado e simplesmente não sentia minhas pernas. Eu não sentia a água caindo sobre mim. Eu era a porra de um siri.
Entrei em pânico, não podia gritar, não sabia o que estava acontecendo e detesto admitir que um momento pensei "onde está meu pau?". Entenda, eu tinha 14 anos e poucas preocupações significativas, a única coisa que eu não queria era virar um siri enquanto ainda era virgem. Era como morrer virgem, certo? Aquilo tudo não durou nem mesmo 5 minutos, mas quando se é um siri cinco minutos são uma eternidade.
Aos poucos senti minha pele voltando ao normal, minha visão ficando mais colorida e notei que estava de cócoras no chão do box, caido assustado. Tenho que admitir que chorei, pensando que tinha recebido mais uma chance de ser uma boa pessoa. Depois de algumas semanas aquele episódio foi esquecido e eu acreditei que tinha dormido no box e sonhado com tudo aquilo.
Meu pai era herdeiro de uma multinacional no ramo alimentício e sempre tivemos uma vida bastante confortável, nunca tive do que reclamar. Apesar de tudo, era um adolescente tranquilo, ao contrário da maioria dos meus amigos que sempre gostaram de esbanjar o dinheiro que possuíam e se divertir de maneiras arriscadas.
Foi numa das festas deles que eu realmente entendi o que era. Estávamos em uma roda, todos os meus amigos já chapados. Era a primeira vez que eu fumava e estava me sentindo incrivelmente arrependido de não ter feito aquilo antes. Eu me sentia leve, meus olhos estavam ligeiramente fechados e tudo parecia tão engraçado que eu mal era capaz de respirar em meio as gargalhadas.
O copo de bebida escapou da minha mão e todos começaram uma nova rodada de risos, mas eu já não estava mais tão feliz. Minha mão não estava mais ali, agora era um casco fendido, com pelos grossos subindo pelo meu braço. Corri para o banheiro, apavorado, respirei fundo algumas vezes e fechei os olhos, desejando que aquilo desaparecesse. Saí do banheiro querendo pegar o primeiro táxi que aparecesse e ir pra casa, dormir e fingir que nada daquilo estava acontecendo. Era um pesadelo, tinha que ser.
Mas é claro que nada nunca acontece como esperamos.
Mariana me parou na porta do banheiro vestindo sua calça de cintura alta e uma camiseta branca. Ela pediu pra que eu sorrisse pra foto que queria tirar, pegou sua polaroid e me fotografou, cobri meu rosto por instinto e arranquei a foto de sua mão antes que ela pudesse ver o casco que ficou estampado ali.
Corri para fora do apartamento, desci até o térreo, peguei um táxi e cheguei no meu prédio a salvo. Quando subia para o meu apartamento senti pequenas pontadas no meu pulso e vi lentamente o casco se transformar em dedos. Entrei no meu quarto, deitei na cama e apaguei.
Eu provavelmente teria fingido novamente que nada daquilo tinha acontecido, que tinha sido uma alucinação por conta da maconha ou qualquer coisa do tipo, mas quando acordei na manhã seguinte a polaroid estava no bolso esquerdo da minha calça. Meio borrada, mas ainda era possível ver com nitidez o casco fendido que saía de onde deveria estar a minha mão.
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Animalia (Em Revisão)
Teen FictionPelo que todos sabiam Henrique tinha tudo que alguém poderia pedir, mas ninguém sequer imaginava que tudo que ele precisava eram de respostas. Esse conto nos mostra como o criador do Lar Arsalein e fundador do Centro de Estudos e Pesquisas Ana Arsal...