VOCÊ SENTE?

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Meus dedos tremiam. O coração galopava no peito. Pensei que fosse vomitar ou morrer antes de conseguir me encontrar com o Jorge.

Tirei o celular da tomada e o mantive na mão direita, como se fosse um órgão vital, afinal, o L.o.v.e. estava ali, era só voltar se precisasse.

Pisquei algumas vezes até focar a vista e reconheci o quarto. Meu quarto. Tudo parecia estranho. As paredes não possuíam a decoração escolhida dentro do L.o.v.e., nem meus móveis favoritos. E o lugar fedia a poeira.

O armário semi aberto não mostrava as roupas impecáveis que eu havia comprado no app.

Deixei a cama e caminhei pelo restante da casa, fazia anos que eu não via nada daquilo, e eu estive ali todos os dias, mas o L.o.v.e. me fazia enxergar uma ilusão.

Enxuguei o suor da testa com o dorso da mão e encarei as gotas. Nós realmente sentíamos.

Enfim, compreendi que Jorge estava certo.

Eu sentia.

Medo, cansaço, fome. Era como se eu tivesse acabado de voltar de uma longa trilha e meu corpo inteiro protestasse.

Contive um grito ao me olhar no espelho. Minha pele havia envelhecido, meus cabelos estavam maltratados, e olheiras profundas marcavam meu rosto. Era o aspecto de um morto que havia retornado à vida. Quando o aplicativo assumiu o controle de nossas vidas por ordem do governo, garantiram para a população que apesar de vivermos todas as experiências de forma virtual, incluindo alimentação, exercícios e exposição ao sol, nosso corpo responderia da mesma maneira e se manteria saudável. Porque tudo era uma questão de assimilação cerebral e resposta do organismo.

Pelo visto, o L.o.v.e. me enganou mais do que eu imaginava.

Surreal, e assustador demais.

Abri a porta para a rua com esforço. O cybercafé não ficava longe, mas o pânico me travava.

Como estariam as pessoas lá fora?

Será que por ainda estarem logadas no L.o.v.e., viam o mundo de uma maneira diferente?

Provavelmente.

Meu primeiro impulso foi pegar o celular para carregar calma e clareza, mas me contive. Respirei fundo e abri a porta.

Forcei um semblante de calma no rosto e andei olhando para o chão, não queria levantar suspeitas.

A cada dois passos precisava vencer a vontade de carregar uma sensação do L.o.v.e. e me manter equilibrada, como uma viciada em abstinência.

E pra ser honesta, a realidade naqueles poucos momentos, me parecia horrível demais para suportar sem a visão enganadora do L.o.v.e.

Enquanto caminhava até o cybercafé, me atrevi a olhar para os lados. As projeções das pessoas, andavam sorrindo para as telas de seus celulares. Ignoravam completamente umas as outras. Ignoravam o lixo que a cidade, antes tão bonita, havia se transformado. Muros pixados, prédios caindo aos pedaços, latas e restos de comida acumulados por todos os cantos, animais abandonados.

Mas ninguém via nada.

E aquela era a minha avenida favorita dentro do L.o.v.e.

Onde eu passava a maior parte das tardes de sol entre os arbustos floridos, passeando com Jorge ou tomando um cappuccino no bistrô da esquina.

Quis gritar para as projeções das pessoas acordarem, mas achei melhor me ater ao plano. Faltavam poucos minutos para a hibernação, e talvez, depois disso, nenhum de nós seria capaz de sair.

Foquei no chão cheio de buracos, ignorei os ratos cruzando meu caminho e subi as escadas do cybercafé. O pânico jogava ácido na garganta.

E se Jorge me odiasse depois do que fiz no app?

E se desejasse se vingar?

A tristeza me trouxe lágrimas aos olhos. Não nos víamos pessoalmente há anos, e agora, nosso encontro, poderia ser o último.

Eu sequer sabia se cheguei a amá-lo de verdade.

Pela primeira vez, em anos eu estava ali, como eu mesma, livre. E tudo o que eu queria era um aplicativo para me dizer como me sentir.

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Prezado leitor, essa história se aproxima do fim.

Está preparado para deixar o L.o.v.e.?

Beijossss
Amanhã tem mais!

L.O.V.E.Onde histórias criam vida. Descubra agora