Poti voltou do banho.
Segue na areia o rastro de Coatiabo, e sobe ao alto da Jacarecanga. Aí encontra o guerreiro em pé no cabeço do monte, com os olhos alongados e os braços estendidos para os largos mares.
Volve o pitiguara as vistas e descobre uma grande igara, que vem sulcando os verdes mares, impelida pelo vento:
— É a grande igara dos irmãos de meu irmão que vem buscá-lo!
O cristão suspirou:
— São os guerreiros brancos inimigos de minha raça, que buscam as praias da valente nação pitiguara, para a guerra da vingança: eles foram derrotados com os tabajaras nas margens do Camucim; agora vêm com seus amigos os tupinambás pelo caminho do mar.
— Meu irmão é um grande chefe. Que pensa ele que deve fazer seu irmão Poti?
— Chama os caçadores de Soipé e os pescadores do Trairi. Nós iremos ao seu encontro.
Poti acordou a voz da inúbia; e os dois guerreiros partiram ambos para o Mocoribe. Pouco além viram os guerreiros de Jaguaraçu e Camoropim que corriam ao grito de guerra. O irmão de Jacaúna os avisou da vinda do inimigo.
O grande maracatim corre nas ondas, ao longo da terra que se dilata até às margens do Parnaíba. A lua começava a crescer quando ele deixou as águas do Mearim; ventos contrários o tinham arrastado para os altos-mares, muito além de seu destino.
Os guerreiros pitiguaras, para não espantar o inimigo, se ocultam entre os cajueiros; e vão seguindo pela praia a grande igara: durante o dia avultam as brancas velas; de noite os fogos atravessam a negrura do mar, como vagalumes perdidos na mata.
Muitos sóis caminharam assim. Passam além do Camucim, e afinal pisam as lindas ribeiras da enseada dos papagaios.
Poti manda um guerreiro ao grande Jacaúna e se prepara para o combate. Martim, que subiu ao morro de areia, conhece que o maracatim vem recolher no seio da terra; e avisa seu irmão.
O Sol já nasceu; os guerreiros guaraciabas e os tupinambás, seus amigos, correm sobre as ondas nas ligeiras pirogas e pojam na praia. Formam o grande arco, e avançam como o cardume do peixe quando corta a correnteza do rio.
No centro estão os guerreiros do fogo, que trazem o raio; nas assas os guerreiros do Mearim, que brandem o tacape.
Mas nação alguma jamais vibrou o arco certeiro como a grande nação pitiguara; e Poti é o maior chefe, de quantos chefes empunharam a inúbia guerreira. Ao seu lado caminha o irmão, tão grande chefe como ele, e sabedor das manhas da raça branca dos cabelos do sol.
Durante a noite os pitiguaras fincam na praia a forte caiçara de espinho, e levantam contra ela um muro de areia, onde o raio esfria e se apaga. Aí esperam o inimigo. Martim manda que outros guerreiros subam à copa dos mais altos coqueiros; ali defendidos pelas largas palmas, esperam o momento do combate.
A seta de Poti foi a primeira que partiu, e o chefe dos guaraciabas o primeiro herói que mordeu o pó da terra estrangeira. Rugem os trovões na destra dos guerreiros brancos; mas os raios que desferem mergulham-se na areia, ou se perdem nos ares.
As setas dos pitiguaras já caem do céu, já voam da terra, e se embebem todas no seio do inimigo. Cada guerreiro tomba crivado de muitas flechas, como a presa que as piranhas disputam nas águas do lago.
Os inimigos embarcam outra vez nas pirogas, e voltam ao maracatim em busca dos grandes e pesados trovões, que um homem só nem dois podem manejar.
Quando voltam, o chefe dos pescadores, que corre nas águas do mar como o veloz camoropim, de que tomou o nome, se arroja nas ondas, e mergulha. Ainda a espuma não se apagara, e já a piroga inimiga se afundou, parecendo que a tragara uma baleia.
Veio a noite, que trouxe o repouso.
Ao romper d'alva, o maracatim fugia no horizonte para as margens do Mearim. Jacaúna chegou, não mais para o combate e sim para o festim da vitória.
Nessa hora em que o canto guerreiro dos pitiguaras celebrava a derrotados guaraciabas, o primeiro filho que o sangue da raça branca gerara nessaterra da liberdade via a luz nos campos da Porangaba.