A Lua cresceu.
Três sóis havia que Martim e Iracema estavam nas terras dos pitiguaras, senhores das margens do Camucim e Acaraú. Os estrangeiros tinham sua rede na vasta cabana do grande Jacaúna. O valente chefe guardou para si a alegria de hospedar o guerreiro branco.
Poti abandonou sua taba para acompanhar seu irmão de guerra na cabana de seu irmão de sangue, e gozar dos instantes que sobejavam do amor de Iracema para a amizade, no coração do guerreiro do mar.
A sombra já se retirou da face da terra: e Martim viu que ela não se retirara ainda da face da esposa, desde o dia do combate.
— A tristeza mora na alma de Iracema!
— A alegria para a esposa só vem de ti; quando teus olhos a deixam, as lágrimas enchem os seus.
— Por que chora a filha dos tabajaras?
— Esta é a taba dos pitiguaras, inimigos de meu povo. A vista de Iracema já conheceu o crânio de seus irmãos espetado na caiçara; o ouvido já escutou o canto de morte dos cativos tabajaras; a mão já tocou as armas tintas do sangue de seus pais.
A esposa pousou as duas mãos nos ombros do guerreiro, e reclinou ao peito dele:
— Iracema tudo sofre por seu guerreiro e senhor. A ata é doce e saborosa; quando a machucam, azeda. Tua esposa não quer que seu amor azede teu coração; mas que te encha das doçuras do mel.
— Volte o sossego ao seio da filha dos tabajaras; ela vai deixar a taba dos inimigos de seu povo.
O cristão caminhou para a cabana de Jacaúna. O grande chefe alegrou-se vendo chegar seu hóspede; mas a alegria fugiu logo de sua fronte guerreira. Martim dissera:
— O guerreiro branco parte de tua cabana, grande chefe.
— Alguma cousa te faltou na taba de Jacaúna?
— Nada faltou a teu hóspede. Ele era feliz aqui; mas a voz do coração o chama a outros sítios.
— Então parte, e leva o que é preciso para a viagem. Tupã te fortaleça, e traga outra vez à cabana de Jacaúna, para que ele festeje tua boa-vinda.
Poti chegou; sabendo que o guerreiro do mar ia partir, falou:
— Teu irmão te acompanha.
— Os guerreiros de Poti precisam de seu chefe.
— Se tu não queres que eles vão com Poti, Jacaúna os conduzirá à vitória.
— A cabana de Poti ficará deserta e triste.
— Deserto e triste será o coração de teu irmão longe de ti.
O guerreiro do mar deixou as margens do rio das garças, e caminhou para as terras onde o Sol se deita. A esposa e o amigo seguem sua marcha.
Passam além da fértil montanha, onde a abundância dos frutos criava grande quantidade de mosca, de que lhe veio o nome de Meruoca.
Atravessam os córregos que levam suas águas ao rio das garças, e avistam longe no horizonte uma alta serrania. Expira o dia; nuvem negra voa das bandas do mar: são os urubus que pastam nas praias a carniça que o oceano arroja, e com a noite tornam ao ninho.
Os viajantes dormem em Uruburetama. Quando o Sol voltou, chegaram às margens do rio, que nasce da quebrada da serra e desce a planície enroscando-se como uma cobra. Suas voltas contínuas enganam a cada passo o peregrino, que vai seguindo o tortuoso curso; por isso foi chamado Mundaú.
Perlongando as frescas margens, viu Martim no seguinte sol os verdes mares e as alvas praias onde as ondas murmurosas às vezes soluçam e outras raivam de fúria, rebentando em frocos de espuma.
Os olhos do guerreiro branco se dilataram pela vasta imensidade; seu peito suspirou. Esse mar beijava também as brancas areias do Potengi, seu berço natal, onde ele vira a luz americana. Arrojou-se nas ondas e pensou banhar seu corpo nas águas da pátria, como banhara sua alma nas saudades dela.
Iracema sentiu chorar-lhe o coração; mas não tardou que o sorriso de seu guerreiro o acalentasse.
Entretanto Poti, do alto do coqueiro, flechava o saboroso camorupim que brincava na pequena baía do Mundaú; e preparava o moquém para a refeição.