Iracema cantava docemente, embalando a rede para acalentar o filho.
A areia da praia crepitou sob o pé forte e rijo do guerreiro tabajara, que vinha das bordas do mar depois da abundante pesca.
A jovem mãe cruzou as franjas da rede, para que as moscas não inquietassem o filho acalentado, e foi ao encontro do irmão:
— Caubi vai tornar às montanhas dos tabajaras! disse ela com brandura.
O guerreiro anuviou-se:
— Tu despedes teu irmão da cabana para que ele não veja a tristeza que a enche.
— Araquém teve muitos filhos em sua mocidade; uns a guerra levou e morreram como valentes; outros escolheram uma esposa, e geraram por sua vez numerosa prole: filhos de sua velhice, Araquém só teve dois. Iracema é para ele como a rola que o caçador tirou do ninho. Só resta o guerreiro Caubi ao velho pajé, para suster seu corpo vergado, e guiar seu passo trêmulo.
— Caubi partirá quando a sombra deixar o rosto de Iracema.
— Como vive estrela da noite, vive Iracema em sua tristeza. Só os olhos do esposo podem apagar a sombra em seu rosto. Parte, para que eles não se turvem com tua vista.
— Teu irmão parte para agradar tua vontade; mas ele voltará todas as vezes que o cajueiro florescer para sentir em seu coração o filho de teu ventre.
Entrou na cabana. Iracema tirou da rede a criança; e ambos, mãe e filho, palpitaram sobre o peito do guerreiro tabajara. Depois, Caubi passou a porta, e sumiu-se entre as árvores.
Iracema, arrastando o passo trêmulo, o acompanhou de longe até que o perdeu de vista na orla da mata. Aí parou: quando o grito da jandaia de envolta com o choro infantil a chamou à cabana, a areia fria onde esteve sentada guardou o segredo do pranto que embebera.
A jovem mãe suspendeu o filho à teta; mas a boca infantil não emudeceu. O leite escasso não apojava o peito.
O sangue da infeliz diluía-se todo nas lágrimas incessantes que não estancavam dos olhos; nenhum chegava aos seios, onde se forma o primeiro licor da vida.
Ela dissolveu a alva carimã e preparou ao fogo o mingau para nutrir o filho. Quando o sol dourou a crista dos montes, partiu para a mata, levando ao colo a criança adormecida.
Na espessura do bosque está o leito da irara ausente; os tenros cachorrinhos grunhem enrolando-se uns sobre os outros. A formosa tabajara aproxima-se de manso. Prepara para o filho um berço da macia rama do maracujá; e senta-se perto.
Põe no regaço um por um os filhos da irara; e lhes abandona os seios mimosos, cuja teta rubra como a pitanga ungiu do mel da abelha. Os cachorrinhos famintos precipitam gulosos e sugam os peitos avaros de leite.
Iracema curte dor, como nunca sentiu; parece que lhe exaurem a vida, mas os seios vão-se intumescendo; apojaram afinal, e o leite, ainda rubro do sangue, de que se formou, esguicha.
A feliz mãe arroja de si os cachorrinhos, e cheia de júbilo mata a fome ao filho. Ele é agora duas vezes filho de sua dor, nascido dela e também nutrido.
A filha de Araquém sentiu afinal que suas veias se estancavam; e contudoo lábio amargo de tristeza recusava o alimento que devia restaurar-lhe asforças. O gemido e o suspiro tinham crestado com o sorriso o sabor em sua boca formosa.