1 - Pãe

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Lila estava fazendo uns exames numa paciente que estava descontrolada querendo interromper a gravidez de cinco meses.

— É muito arriscado, ela pode morrer tentando matar esse bebê. — disse tentando conter a jovem que chorava desesperada. Precisou ser acalmada à força e foi contida com amarras na cama.

A médica saiu do quarto da paciente, retirou as luvas, jogando-as numa lixeira e passou as mãos no rosto, exausta de tentar segurar aquela mulher.

— O que aconteceu? — Elaine indagou chegando perto dela e vendo-a com cara de cansada.

— Estou num plantão de 24 horas, há 23 e acabei de impedir a Joyce de matar o próprio filho e se matar, de novo...

— Joyce precisa de tratamento urgente. Vem, vamos ver o Gabrielzinho. — convidou, puxando-a.

— Depois vou levar você para conhecer a Susane Gusmão.

— Susane Gusmão? A cantora?

— Essa mesma. Vem. — Puxou-a pela mão e foram para a ala pediátrica.

Lila sempre ficava muito feliz naquela parte do hospital, pensou em se especializar em pediatria, mas ficou com a arte de colocar crianças no mundo. Viu Gabriel com o pai Fabiano, através da janela de vidro.

Gabriel era filho de Fabiano, um transexual, que fora casado com a mãe biológica do menino.

— É exame de rotina. Fizemos mais uma tomografia para saber o estado do tumor e evoluiu pouco, ele responde bem aos medicamentos. — explicou Elaine, sorrindo enquanto observava o pai do menino ao seu lado.

— Ele é muito lindo. — derreteu-se Lila.

— Tem dez anos, pela agressividade do tumor devia ter morrido há seis, mas está aí firme e forte com o paizão que cuida dele sozinho desde os dois anos de idade quando a mãe dele morreu. — contou e sorriu, colocando um avental de proteção na esposa e convidando-a para entrar.

Fabiano deu um sorriso fechado ao ver as duas. Estava ali desde a noite anterior, Gabriel tivera febre, como era muito frágil, o bombeiro sempre optava por levá-lo ao hospital onde saberiam cuidar dele da forma correta.

Fabiano foi morar com Lucélia quando Gabriel tinha apenas dois anos de idade; e ainda era Fabiana, encantou-se pelo filho da namorada. Gabriel estava dando os primeiros passos, se machucando nos moveis, balbuciando as primeiras palavras, era uma criança como as outras da idade dele.

Fabiano era uma pessoa feliz com Lucélia, que o apoiou com a redesignação sexual, até que ficou doente foi internada e não saiu mais do hospital, tumor inoperável no cérebro.

— Por favor, não me deixa! — disse chorando com a amada no colo depois de uma parada cardíaca que ceifou sua breve vida de apenas 28 anos. — Eu não sou nada sem você, meu amor.

Depois daquela dolorosa despedida, Fabiano passou a cuidar do filho Gabriel, brigou por ele na justiça e venceu a luta contra a irmã de Lucélia.

Quando Gabriel tinha três anos de idade desmaiou e foi diagnosticado com o mesmo tumor que matou sua mãe.

— Infelizmente se operarmos ele morre na mesa de cirurgia. — Elaine disse com pesar quando fez os primeiros exames no garoto.

— Como vai ser a vida dele, doutora? — Fabiano quis saber, desolado.

— Procure proporcionar os melhores momentos para ele nesse tempo.

— Ele vai morrer é isso?

Um médico neurocirurgião estava ao lado de Elaine e avisou:

— Pelo avanço do tumor, que tomou proporções absurdas nesse pouco tempo, ele tem menos de um ano de vida. É degenerativo. Muito agressivo.

Depois de uma semana internado, Gabriel foi levado para casa pelo pai, que brincava com o filho, fazia de seus últimos dias os melhores. Chorava sozinho, quando ele dormia, pois temia que ele não acordasse como ocorreu com sua mãe.

— Papai. — Gabriel disse ainda deitado quando acordou certo dia. Fabiano marejou os olhos e beijou a testa do menino, que não conseguia mais mexer as pernas.

— Eu te amo, filho. — disse sorrindo e beijou a pequena mão do garoto.

— Eu te amo, papai. — Gabriel disse sorrindo e aquelas foram as últimas palavras dele.

Gabriel passou exatos seis meses para perder completamente suas funções motoras e fazer Fabiano lamentar cada dia a menos na vida do filho, que gostava de carros.

— Ele amava carros, não vai mais poder brincar com eles. — Fabiano disse segurando a mão do filho que dormia profundamente depois de ser atendido pela médica.

Elaine apertou o ombro do bombeiro, que esperou que ela saísse e chorou molhando a mão do filho inerte.

Fabiano passou a proporcionar cuidados especiais para o filho, sob as orientações de Elaine, que o ajudou no primeiro momento.

Gabriel dependia de sonda para tudo. Fabiano precisou contratar uma babá, pois precisava trabalhar. Escolheu o regime de plantão para poder passar mais tempo com o filho.

Seguia a mesma rotina todos os dias em que estava em casa, dava banho no filho, trocava sua roupa de cama, trocava as sondas, alimentava-o e ia estudar. Estudava direito na Universidade Federal Fluminense. Ainda arrumava a casa, fazia compras e treinava, seu trabalho exigia todo esse esforço. Fabiano cuidava do filho e de si mesmo, pois precisava tomar os hormônios todos os dias, fizera a redesignação sexual quando Gabriel tinha dois anos, contando com o apoio da namorada.

Fabiano fazia fisioterapia no filho, mexia em seus membros, massageava o corpo do menino, que cada dia que passava ficava mais inerte e sem vida, apenas com o olhar perdido.

O bombeiro chegou em casa àquela noite e viu que o filho estava quente demais, colocou o termômetro e constatou a febre alta, correu com ele para o hospital, agora estava ali segurando a mão do menino sob o olhar da doutora Elaine.

— Não encontrei nada anormal, amanhã ele já poderá voltar para casa. — avisou e apertou o ombro do homem e saiu levando a esposa e médica.

— Você não disse algo que ele precisasse saber, não? — Lila perguntou.

— Ele sabe, amor. Não vou ficar martelando com isso. O menino pode viver muito tempo ainda. — avisou e entraram em uma sala, conduzida por Lila.



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