2 - Vendo Com o Coração

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Lila abriu a porta da sala de impressões 3D e mostrou sorrindo o seu mais recente feito.

— O que é isso?

— Surpresinha para a Susane. — Pegou a impressão na mão e colocou dentro de seu jaleco, saiu com uma Elaine curiosa atrás de si.

Entraram na sala de ultrassonografia onde Susane a esperava.

— Bom dia, Susane, como passou a noite? — indagou sorrindo e tocando na mão da mulher, que era cega, desde os dezesseis anos de idade.

— Um pouco preocupada por ser chamada aqui hoje de novo sendo que já vim ontem. Há alguma coisa errada com meu bebê, doutora?

— Está tudo ótimo com o bebê, Susane. Eu só queria fazer um novo ultrassom...

— Eu adoro ouvir seu coraçãozinho batendo. Obrigada, doutora. Pensei que ele tinha algum problema.

Elaine juntou as duas mãos e apertou nariz e boca, deixando apenas os olhos de fora; emocionada ao ver o que Lila ia fazer.

Lila aqueceu a impressão e passou o gel na barriga da cantora. Sorrindo pegou a impressão e pediu com os olhos para Elaine colocar no colo da mulher grávida.

Susane sentiu a calidez da mão de Elaine na sua quando a médica tocou para que ela pudesse tocar e assim 'enxergar' o filho.

— Este é o seu bebê, Susane! — Elaine avisou com voz suave e olhou para Lila cheia de orgulho com os olhos marejados.

Susane tremia quando sentiu seu filho nas mãos, lágrimas rolavam enquanto ela sentia com as mãos cada partezinha daquela impressão do seu filho.

— Obrigada. Obrigada. — repetiu, emocionada abraçando e beijando o bebê impresso.

O pai do menino chegou, atrasado, mas chegou e viu a cena. Beijou a cabeça da esposa que ainda chorava por poder conhecer o filho.

— Obrigado, doutora Lila. Como está o bebê? Vim o mais rápido que pude. — disse Ronaldo, esposo da cantora, em particular para Lila.

— O bebê está ótimo, eu só queria fazer essa surpresa para ela, ontem podemos ver melhor o rostinho dele.

— Vendo essa felicidade dela me arrependi de ter proposto interromper a gravidez quando soube da síndrome de down que ele tem.

— Ronaldo, o que importa é ele que está crescendo e daqui a quatro meses estará nascendo e indo para casa com vocês.

— Obrigado por proporcionar essa felicidade a ela. Muito obrigado.

Susane deixou o hospital com o marido, exalando felicidade, com o filho impresso no colo.

Cantava desde criança, sempre viveu rodeada de mimos, era estudiosa e adorava cantar. Seu pai a tratava como a uma princesa.

— Papai, vai ter um passeio-aula de biologia com a turma da escola e os professores esse final de semana, não é obrigatório, mas eu posso ir?

— Claro que pode, filha, mas para onde vão?

— Para a serra, faremos uma trilha.

— Tudo bem, quero saber de tudo e comporte-se, hein?

Seguindo as recomendações do pai, Susane foi com a turma do colégio para o passeio para conhecer uma floresta que havia lá. Iam em dois ônibus, passageiros em ordem alfabética, para nada sair do controle. Susane estava empolgada, pensava no pai, queria que ele estivesse, eram muito apegados, perdera a mãe aos dois de idade vítima de câncer de mama.

Susane se divertiu e aprendeu muito com o passeio, anotou tudo o que escutava dos professores.

— Vamos neste ônibus, Su. — chamou uma amiga e colega de sala.

— É por ordem alfabética, Amanda. Se eu for com você pode dar algum problema.

— Não vai dar problema nenhum, Susane, fica tranquila. Preciso contar uma coisa que aconteceu quando entramos naquela caverna.

Curiosa, Susane entrou no ônibus que a amiga estava, ela já começou a contar o que queria:

— Lembra que te falei que recebi um bilhete do Breno?

— Lembro que você achou brega pra caramba e nunca vai ficar com ele.

— Eu fiquei. — disse e cobriu o rosto com as duas mãos. — Ele estava ao meu lado quando entramos na caverna, na hora que a professora não conseguiu acender a lanterna, ele me beijou.

— Sério? E ninguém viu? Como foi?

— Sério. Acho que ninguém viu porque quando a lanterna foi acesa já estávamos distantes um do outro.

— Mas conta, como foi?

— Foi tudo. Ele foi muito carinhoso. Eu me assustei, mas gostei.

As duas foram a viagem quase toda conversando, Susane se sentia cansada quando a amiga parou de falar e deu uma cochilada.

A menina acordou no hospital dez dias depois, passara por três cirurgias na cabeça.

Não viu o sorriso molhado do pai a sua frente. Abriu os olhos e não conseguiu enxergar nada. Entrou em desespero, foi acalmada por médicos.

— Acalme-se, Susane. Você sofreu um acidente. Está tudo bem agora. — disse o médico.

— Pai, me ajuda. Por favor. — pediu desesperada.

Samuel, pai de Susane, só chorava, não podia acreditar que sua menininha estava cega.

— Nós conseguimos salvar a vida da sua filha, mas vamos esperar que ela acorde para termos certeza do que houve. — disse o neurocirurgião ao pai da menina logo depois das cirurgias.

— Ela vai ficar com sequela, doutor? Ela é tudo o que eu tenho.

— O traumatismo craniano afetou uma parte importante do nervo óptico. Vamos esperar ela acordar para fazermos outros exames e vermos quais procedimentos tomar a partir de agora.

Depois daquela conversa, Susane passou dez dias em coma, acordando cega.

Sofreu mais ainda quando descobriu que Amanda falecera no local em que o ônibus foi atingido por uma carreta na decida da serra.

Passou por alguns médicos e todos disseram que a lesão no nervo óptico era irreversível.

Susane passou por tratamento psicológico, fez terapia e treinamentos com profissionais e grupos de apoio.

Aos 21 anos de idade, passou num concurso de canto e ganhou uma bolsa para estudar música na Europa. Dois anos depois se tornou uma cantora conhecida mundialmente com sua voz forte e potente, alcançando notas absurdas com sua extensão vocal contralto.

Susane conheceu Ronaldo na escola de música de Londres, namoraram e casaram, agora aos 27 anos de idade esperava o primeiro filho. Ronaldo tornou-se seu empresário e companheiro para tudo.

O homem marejou os olhos ao ver a esposa em lágrimas com a impressão do filho na mão.

— Feche os olhos, Ronaldo. Sinta o nosso filho. Veja-o como eu vejo.

— Vem... — Lila segurou a mão da esposa emocionada e deixaram a sala.

Ronaldo estava com os olhos fechados tocando com os dedos cada parte do seu filho, enxergando-o com os olhos da esposa.

— Obrigada por isso. — Elaine agradeceu e abraçou a esposa com força. — Eu te amo!

— Eu te amo bem mais! — disse sorrindo e foram à sala onde Joyce a adolescente grávida estava.

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