2 - OSSOS DO HOSPÍCIO

507 165 190
                                    


Evan Ducado murmurou: Grande Coisa

Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.

Evan Ducado murmurou: Grande Coisa.

As palavras de Gustavo Medeiros, chefe da psiquiatria, transformaram-se num blah blah blah indistinto enquanto a turma de estudantes avançava pelo saguão do Sanatório Palatino. Um prédio antigo caindo aos pedaços com a reputação de ter sido uma dessas clínicas que torturavam os pacientes no passado. Época em que pertencia a família Rilson.

Enquanto passavam pela recepção, Evan admitiu que, naquelas condições, não havia como gostar de nenhum hospital ao qual fosse designado. Estava ali para trabalhar de graça em troca de "Experiências Únicas".

O maldito dia só piorava.

Lembrou-se da mulher em sua cama, do bebê sobre o seu abdômen. Sangue por toda parte e as palavras sussurradas.

Apreensivo, ergueu o olhar para o teto e admirou a parte interna da torre. Estava habituado a vê-la de longe, da janela do carro. Uma cúpula cinza chumbo rasgando o céu poluído de São Paulo. Sempre tentando imaginar que tipo de loucura era guardado ali dentro. Agora, estava prestes a descobrir. Ainda assim, preferia ter sido designado a Clínica de São Pedro.

Estar ali era como ter a pele arrancada do corpo.

Idiota, idiota, idiota.

Por trás da névoa de indignação ele pode escutar o chefe da psiquiatria chamar o seu nome.

— Senhor?

— Perguntei se entendeu qual é sua função como residente?

Olhares em sua direção. A raiva crescendo aos poucos.

— É... corroborar com profissionais experientes afim de alcançar experiências únicas.

Gustavo gesticulou para que a turma voltasse a andar.

— Na prática é mais do que isso. Todos devem estar prontos para toda e qualquer situação.

— Inclusive rebocar paredes — gracejou alguém.

O psiquiatra ergueu os ombros e continuou:

— Atender pacientes em uma sala refrigerada da USP não é nada comparado a estar em um sanatório de verdade. A partir de agora vocês irão atravessar a linha tênue entre a loucura e a verdadeira perturbação da mente humana. As pessoas que encontraram lá em cima já mataram, estupraram, jogaram o carro contra carrinhos de bebês, e... — Fez uma pausa dramática. — Há até mesmo quem coma a própria carne.

— Credo — resmungou outro estudante.

— Credo é uma palavra que utilizarão bastante durante toda a residência, porém, esse lugar não será piedoso com nenhum de vocês.

Grande coisa.

Para Evan, naquele momento, só havia uma coisa que lhe era perturbadora de fato:

As lembranças.

Ele o levava até a casa daquela mulher, o deixava lá e depois ia embora. Sua mãe? Ah sua pobre mãe, morrera por falta de socorro, porque ele estava bebendo em vês de estar em casa cuidando dela. Então, se trabalhar era necessário, deixá-lo com aquela mulher também era. Senhora Creca era seu nome, ao menos era assim que seu pai a chamava, e depois ia embora e o deixava lá. E ela, a senhora Creca, o abusava de todas as formas.

— Sete alas, cento e trinta quartos e oitenta e nove pacientes internados nesse exato momento. — A voz de Gustavo voltou a soar. — A sinalização do prédio é precária, o que significa que terão que memorizar cada um dos corredores. A última coisa que vão querer na vida é dar de cara com a ala leste.

— O que há na ala leste? — a voz era feminina e sua proprietária dona de um cabelo volumoso prendido no estilo "Black Power", vestia um jaleco branco, assim como todos os outros alunos, e sua postura era um exemplo de autoconfiança.

— Está desativada a mais de trinta anos.

— O quarto que pertencia a Anamélia ficava lá?

O chefe da psiquiatria não pode deixar de revirar os olhos.

— A história de Anamélia não passa de uma lenda. Como médica deveria saber disso.

— Sim, mas, não me refiro à lenda e sim a jovem como paciente.

Gustavo pareceu perdido com aquilo, o que deixou Evan realizado.

— Desculpe-me senhorita. — Deu uma olhadela na prancheta em sua mão. — Lígia, mas o caso ocorreu há quase cinquenta anos, sem falar que o sanatório não estava sobre a diretoria do governo na época, o que significa que não há nada que eu saiba que vocês já não tenham ciência.

— Mentira — contestou Evan.

— O que disse?

— Aposto que você deve saber até onde esconderam o corpo dela.

Gustavo deu uma risada nervosa.

— Doutores? Poderiam me deixar a sós com o Evan por um minuto?

Os alunos, então, seguiram pelo corredor a contragosto. Ao passo que se afastavam a jovem chamada Lígia olhava para trás como que tentando entender o que estava acontecendo.

— O que pensa que está fazendo?

Evan balançou a cabeça.

— Apenas procurando experiências únicas.

— Escuta aqui, eu sei que você deve me odiar pelo o que aconteceu. Mas se vamos trabalhar no mesmo local sugiro que ponha de lado todo esse ódio que sente por mim e comece a agir como homem.

— Você não sabe nada sobre ser homem.

— Não sou eu que estou agindo como moleque. Sou chefe da psiquiatria deste hospital e exijo que me respeite.

— Olha só, eu não pedi nada disso.

— Então sugiro que desista do programa.

— Vai esperando — replicou enquanto batia em retirada.

— Só mais uma coisa — interrompeu Gustavo.

Evan bufou e virou-se em sua direção.

— O quê?

— Não se esqueça de que sou seu pai.

AnaméliaOnde histórias criam vida. Descubra agora