3 - BEATRIZ

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— Vejamos

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— Vejamos. Você ficou com a ala dos subjugados — falou Beatriz Rilson, passando um cartão de identificação na porta que se destrancou em seguida. Em frente, estendia-se um corredor que mais parecia uma sequencias de túneis interligados. As luzes, em sua maioria, estavam queimadas.

— Subjugados é um termo médico? — perguntou Evan Ducado.

— É o meu termo médico.

A enfermeira-chefe do Palatino era uma mulher baixa e falava com uma dessas vozes roucas que parece ser exigência para toda mulher fumante e de meia idade. Jaleco branco e sapatilhas pretas. Ela abriu uma pequena janela em uma das portas, e ambos se inclinaram para espiar.

— Este é Damião Luiz, gosta de ser chamado de John Lenno, mas bem, não estamos aqui para reforçar as maluquices dele não é mesmo?

O homem havia tirado a própria camisa e amarrado na cabeça sem razão aparente.

— Ele me parece inofensivo.

— Sim, e ainda assim matou o companheiro de banda com um martelo só porque ele disse que The Beatles era ruim, e o pior é que aqueles meninos nem eram lá essas coisas.

— O que disse? — vociferou Damião, a camisa balançando em sua cabeça enquanto vinha em direção à porta.

Beatriz fechou a janela com força e guiou Evan até o próximo paciente.

— Rita de Cássia — anunciou enquanto tirava do bolso uma carteira de cigarros. Colocou um deles na boca, mas não acendeu. — Transtorno de esquizofrenia, tentou inserir larvas de mosca no pé da sobrinha logo depois de fazer uma festa surpresa para a mesma.

A mulher estava sentada, virada para parede, os cabelos ruivos derramados sobre o seu rosto, e, apesar de não conseguir vê-lo, Evan tinha quase certeza de que a mesma estava sorrindo.

Ou seria o sorriso podre da senhora Creca invadindo sua mente outra vez?

"Não pode fugir de mim pequeno Evan"

— Algum cuidado especifico?

— Ela gosta de ficar ouvindo rádio, isso meio que acalma ela, então não se assuste se começar a ouvir alguns chiados.

A carteira de cigarros reapareceu. Beatriz devolveu o cigarro à mesma e a colocou de volta no bolso.

— Os cigarros são o meu rádio — disse a enfermeira de forma informal. — Estou tentando parar, por isso eu só os coloco na boca, mas Deus sabe o quanto tenho vontade de acendê-los. Ah se tenho. Se ao menos meu marido não me tivesse feito prometer diante dos meus filhos. Porra, era o aniversário do Matias, sabe ele é o mais novo e vive dizendo que quer ser médico assim como eu.

— Pensei que fosse enfermeira — contestou Evan.

— Isso é o que se consegue sendo esposa de um dos descendentes da família Rilson. Ter esse sobrenome nos meus documentos faz com que todos os hospitais da cidade recusem o meu currículo sem nem sequer abri-lo. Sabe? As coisas ruins podem até ficar no passado, mas sempre fica uma mancha, e não há removedor no mundo que tire esse tipo de mancha. Não essas em que pacientes são torturados.

— Então foi por isso que escolheu o Palatino?

— Eu costumo dizer que foi ele quem me escolheu.

Beatriz abriu mais uma janela, e enquanto explicava sobre o paciente em questão Evan pensou: O que estou fazendo aqui? O Sanatório Palatino era o único de São Paulo que não pagava aos internos e possuía uma estrutura digna de um filme de terror, desses amadores ao menos, contudo ainda havia a presença inoportuna de seu pai naquele lugar.

Idiota, idiota, idiota.

— Sabe alguma coisa sobre a Anamélia?

— O que disse? — indagou Evan em total espanto.

— A garota cujo nome não deve ser sussurrado durante a noite — debochou Beatriz.

Não só Evan, como qualquer morador de São Paulo que tivesse acesso à televisão e a alguns programas de sensacionalismo conhecia algo sobre. Segundo a lenda, a garota teria sido brutalmente assassinada naquele mesmo sanatório. Alguns dias depois e o renomeado doutor Magno Rilson fora encontrado morto em seu escritório com a mandíbula deslocada e o nome Anamélia escrito em todas as paredes da sala. Os médicos legistas concluíram que a causa da morte havia sido asfixia, porém, não souberam dizer o que o matou. Os boatos se espalharam pela cidade e a história que se conta até hoje é de que o simples fato de sussurrar o nome da menina durante a noite é capaz de atrair seu espírito.

— Sim, o que tem ela?

— Tornou-se o assunto mais falado entre os pacientes nesses últimos dias. O Fernando aqui não deixa os outros dormirem a noite. Fica falando baboseiras sobre vozes e escrevendo coisas na parede.

— Síndrome de Capgras?

— Não sei, pode ser esquizofrenia também.

Evan inclinou-se para olhar mais de perto. Era um homem alto, cabelos raspados e uma cicatriz enorme na cabeça. Mas o que deixou o jovem de fato apavorado foram as palavras escritas na parede. A frase havia sido escrita diversas vezes e em diversas caligrafias.

— Hoje é o aniversário de tudo e de todos, está na hora de se levantar — recitou Beatriz. — Faz algum sentido para você?

— N-não.

— Para mim muito menos, e olha que já vi de tudo nesse hospital.

Evan sentiu seu coração acelerar aos poucos.

Aquele maldito dia só piorava.

AnaméliaOnde histórias criam vida. Descubra agora