4 - NA NOITE PASSADA

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Vozes por todo lado e muito sangue escorrendo, entenda, a confusão era além do comum

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Vozes por todo lado e muito sangue escorrendo, entenda, a confusão era além do comum. Aquela altura os remédios já deveriam ter causado efeito, mas não. Não havia paz, não havia o fim do inferno que era estar acordado. Apenas centenas de vozes sussurrando em seu ouvido.

Palavras estranhas, frases sem sentidos e um nome em especifico:

Anamélia.

Em alto e bom som.

Fernando bateu outra vez com o seu crânio na parede.

Mais confusão, mais daquele sangue que parecia ter fome de algo, mas de quê?

Anamélia.

O crânio encontrou a parede outra vez e então tudo fez sentido para ele.

Era um dia diferente dos outros aquele. O sol se escondia atrás das nuvens proporcionando a temperatura ideal para um mergulho e sua enxaqueca resolvera dar uma trégua. Sua amada chegou por volta das três e meia e os dois seguiram felizes para o lago. Amaram-se dentro d'agua e então ficaram ali divagando sobre os planos para o futuro. Joyce tinha os seus e Fernando os dele, o homem ficava ali tentando encaixar tudo em um só pacote, porque ele a amava. E por ironia, o que não estava nos planos de nenhum dos dois era a gravidez que sucedeu em diante. Foi difícil para Fernando aceitar a ideia a principio, mas quando aceitou, não havia outro assunto em que falasse senão no bebê. "Será um homem de família agora", dizia as pessoas, "Parabéns". Quatros meses de gestação e as complicações começaram a aparecer, a gravidez de Joyce era de risco. Fernando não encontrou outra saída a não ser largar o emprego e começar a trabalhar em casa para cuidar dela. Ele fazia os cálculos de seus clientes na mesa da cozinha e Joyce ficava deitada no sofá da sala fazendo o enxoval do bebê. Bebê esse que não só nasceu morto como também matou sua amada, ah sua amada, morta. O enxoval foi queimado e garrafas de bebidas esvaziadas.

Aquilo não fazia sentido. Não fazia. Não fazia.

Vozes, palavras, sangue.

Crânio. Parede.

Anamélia.

Era um dia diferente dos outros aquele, tudo estava alegre demais, como que debochando da sua tristeza, "Onde está o seu filho?", dizia o olhar das pessoas, "Ela não está mais aqui Fernando", "Ela não está mais aqui e a culpa é do bebê". Do bebê. E foi exatamente quando ele guiou o carro em direção ao acesso a Avenida Paulista que o suntuoso carrinho de bebê apareceu adiante, empurrado por mãos femininas, sua proprietária não tivera o mesmo azar que Joyce, o que não era justo, não era. A cabeça de Fernando foi de encontro ao volante e então tudo fez sentido, estava claro como a neve o que tinha que fazer. Ele então guiou o seu carro em direção ao carrinho e acelerou a todo vapor.

Qual outra lógica explicaria aquela visão que estava tendo agora em seu quarto no Sanatório Palatino? Uma mulher trajada com uma camisola branca rasgada no meio da barriga e dela um bebê morto dependurado pelo cordão umbilical.

A mulher abriu sua boca e palavras foram ditas.

Palavras de libertação.

Um momento depois e Fernando estava cravando suas unhas no abdome para fazê-lo sangrar. Precisava de sangue, de muito sangue. Havia uma mensagem que tinha que passar e para isso precisaria de tinta. A tela? Estava ali, nua e crua onde outrora seu crânio se debatera.


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