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05:40

O som do despertador ecoava na minha cabeça atrapalhando meus sonhos. As vezes eu pensava que se ignorasse ele, ele me ignoraria também. Mas havia coisas que eu precisava fazer que valiam mais a pena do que apenas algumas horas confortáveis debaixo do cobertor. Era só não pensar muito na escola que eu conseguia me levantar.

Mas desta vez parecia impossível ignora-la. Hoje eu ia receber o resultado de algumas provas para enfim, poder dormir até tarde no próximo mês para depois tudo começar de novo. Me levantei ainda perturbada com tudo que ia vir, porque, sinceramente, seu eu fosse uma aluna que realiza todas as atividades, eu não estaria preocupada. Porque o problema é que, se eu não ir bem nas provas, isso vai estragar minhas férias e trazer uma má reputação para o próximo bimestre. Tudo vai se acumular e vai ser horrível. Não gosto nem de pensar; e é por isso que eu prefiro pensar que tudo vai ficar bem. Odeio ser pessimista; mas é assim que eu acabo sendo na maioria das vezes.

Fui até o banheiro e fiz minhas higienes. Escovava os dentes e pensava em uma música alegre para deixar tudo mais tranquilo. Saí do banheiro completamente acordada e fui até o armário marrom -que evidentemente não tinha muita estética- e  escolhi minhas roupas para o dia de hoje. Isso incluiu calça jeans, camiseta do uniforme, casaco verde escuro com touca, e depois parti para os sapatos. Me abaixei encarando eles reparando o quanto eu repetia os sapatos e não usava muito sapatilhas. Calcei meu par de tênis, escovei os cabelos e vi diversos fios caírem, e isso era horrível pois parecia que em algum momento meus cabelos iam cair por completo. Acabei deixando-o solto como fazia na maioria das vezes, e fui ajeitar minha cama.

Eu as vezes não entendia porque tanta gente reclamava de arrumar a cama. Não era lá uma tarefa muito difícil. Olhei pela janela e vi que o tempo estava nublado. Nada de novo. Só os mesmos prédios e carros e pessoas indo trabalhar. Me concentrei em um dos prédios. Ele era um dos edifícios mais altos. Eu sentia arrepios só de pensar em alguém despencando dele. Será que seria morte certa ou só muita dor? Abanei estes pensamentos da minha cabeça e terminei de arrumar a cama.

Coloquei a mochila nas costas -certa de que não ela não seria muito útil pois os professores não costumam passar muita coisa no último dia de aula- e saí do quarto. Encontrei o silêncio do corredor e isso me assustou. Eu queria poder ter uma família grande, eu queria ver crianças sentadas à mesa do café, um bebê se lambuzando com pasta de amendoim e um pai saindo para trabalhar, mas antes ele se espremia na cozinha e daria um último beijo na mamãe. Me proibi de pensar nisso de novo, senão ficaria triste. Desci as escadas e fui até a cozinha. Deixei a mochila na cadeira mais próxima e arregacei as mangas. Girei a torneira e a água fria escorreu pelas minhas mãos. Fiquei ali, observando minhas mãos passando uma por cima da outra enquanto pensava no café da manhã. Não havia muitas variedades, mas eu não estava morrendo de fome, é claro. As vezes eu fechava a geladeira e a abria novamente achando que algo novo surgiria.

Fechei a torneira, sequei as mãos e peguei a frigideira, o ovo e o bacon. Liguei o fogo e comecei a preparar o café da manhã. Após pronto, o despejei em um prato e servi suco de laranja no copo. Me sentei e comecei a comer. Tudo parecia errado. Nem mesmo o que eu gostava de comer parecia ter gosto mais. O cheiro da casa era horrível, o ovo não pareciam ter gosto, o suco só descia pela minha garganta e meus movimentos eram frenéticos. Terminei meu café da manhã e coloquei meu prato e meu copo na pia. Peguei a mochila, as chaves e saí de casa. A calçada ainda estava quebrada. Já era de se esperar. Observei mais uma vez o prédio grande e fui até o ponto de ônibus. Havia uma mulher em pé escondida no seu casaco grosso e uma senhora com algumas sacolas sobre o colo. Me sentei e fiquei aguardando. Infelizmente, eu havia encontrado uma senhora carente.

-Você mora aqui perto? -Ela me perguntou esticando o pescoço para conseguir me ver, pois meu rosto estava virado.

-Uhun. -Eu respondi sorrindo tentando parecer simpática.

Ela exibiu um sorriso fraco e disse:

-Ah sim. Escola?

-É. - Disse eu procurando avistar meu ônibus.

-Quantos anos você tem? -Ela perguntou novamente.

-Quase 17. -Respondi pegando meu celular para olhar a hora.

Tenho costume de morder os lábios, e foi isso o que eu fiz naquela hora.

-Ah! -Você já está quase terminando a escola!

-É. Isso é bom.

Ela sorriu como se fosse divertido para ela. Geralmente senhoras assim não são pessoas más, só...precisam de atenção. Assim como eu. Me senti um pouco ruim com essa linha de pensamento. Engoli em seco.

-Depois da escola vem o trabalho! -Ela comentou me expondo a realidade.

As vezes eu pensava nisso. Pensava do que trabalharia, se faria um simples estágio ou se cresceria na vida. Se as pessoas me olhariam como uma moça típica de 17 anos ou se veriam algo...diferente em mim. Não sei o quê, mas especial. As vezes eu pensava no que a minha mãe achava bonito, o que ela queria que eu fizesse. Mas não havia algo que me impulsionava.

-Acho que vou tentar conseguir uma bolsa para uma faculdade antes. -Comentei.

-Isso mesmo, é bom estudar, porque o tempo não volta.

Eu estava acostumada a ouvir meus avós, tios e boa parte da população de 30 anos pra cima dizer isso. O tempo não volta. Tudo o que fazemos não pode ser removido, tudo sempre vai ficar gravado sem chance de ser modificado. Quando eu parava para pensar nisso, me restava uma pergunta crucial:

O que eu estou fazendo com a minha vida?

No que eu tenho gastado o meu tempo? Cada minuto que se passa, eu me sinto mais sufocada. Meu ônibus para no ponto, e a moça que estava de pé sobe no ônibus e eu a sigo subindo os pequenos degraus do ônibus. Após pagar me sentei. Olhei pela janela e lá estava a senhora sentada com sua sacolas e um sorriso no rosto. Sorri para ela e o ônibus se foi deixando a imagem de uma velha senhora para trás.

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Enquanto há vida, há esperança.Onde histórias criam vida. Descubra agora