Ela acordara estranhamente feliz apesar de não ter nada com que se alegrar. Seu primeiro vislumbre do céu revelou um dia horrível, completamente nublado e tomado por uma cor cinza nada promissora para quem iria perambular pelas ruas fazendo entregas, nada agradável para quem teria pilhas de roupas para lavar.
Roberta sorriu... Não era um dia que classificaria como ideal, mas pelo menos era um dia e esse nem era dos piores. Quantas vezes as pessoas recebiam ainda menos do que isso? Quantas vezes agradeciam por muito menos do que isso?
Sem hesitar, Roberta pois a mão esquerda fechada sobre o coração e a mão direita sobre ela, em sinal de respeito as Aves do céu. Abriu sua boca em sussurros suaves, com uma voz de anjo, com um quê de dor.
– Queridas Aves, obrigado por este dia feioso e todo trabalho exaustivo que ele me oferece...
– Obrigado pela família que ainda me resta e pela roupa que ainda possuo...
– Obrigado pela casa simples onde me abrigo e pela refeição matinal que desfrutei...
– Obrigado pelos pés de frutas que ainda existem na terra, obrigado também pelas coisas mínimas pelas quais ainda posso agradecer...
– E muito obrigada por ainda está viva...
Roberta não tinha certeza se havia sido um bom agradecimento, motivo pelo qual permaneceu com as mãos sobre o peito. Dentro de si uma voz dizia que havia sido muito dura, muito breve. Até que queria acrescentar mais alguma coisa, porém o silêncio foi tudo que lhe restou. Ignorou então a voz persistente com a certeza de ter cumprido seu papel. Podia não ter sido um bom agradecimento, mais havia sido um agradecimento.
– Como todo mundo, as Aves também precisariam acostumar-se com menos do que antes.
Assim a vida era, assim sempre foi.
Roberta enxugou o suor da testa, fruto da retirada dos últimos pães do pequeno forno de pedra. Juntos cheiravam a vida, fatura e felicidade. Coisas não muito comum por ali. Ela então os embalou com cuidado, guardando-os em cestas separadas. Não que os três andassem separados, era só que não recordava a ultima vez que haviam andado juntos...
Fez soar o velho sino, correndo em seguida direto a um pequeno quarto. Pilhas de roupas dificultavam sua passagem, exigindo uma lavagem mais cedo do que tarde. Mais uma vez teriam que esperar, o tempo não estava bom para lavar. Aquelas que se ariscavam a enfrentar esse tempo para pegar em água fria acabavam depois doentes por alguns dias. Devido a chegada prematura do inverno, roupas limpas seriam um luxo cada dia mais escasso.
Roberta deixou seu vestido bastante batido descansar num chão de pedra polida. Ignorou seus ardentes protestos grosseiros, desfrutando de um raro prazer matinal. O ar envolveu sua pele por inteiro, refrescando um calor guardado em si. Ele vinha do forno de pães, Roberta repetia para ninguém em especial...
Em seguida olhou o uniforme na cama, não gostando muito do aspecto do traje. Um conjunto completo de pura seda, tão caro, tão frágil, tão branco, muito fácil de sujar!
Suspirando vestiu-o o mais rápido que pôde, seus pães não podiam de maneira nenhuma esfriar. Ajeitou em seguida os longos cabelos castanhos, pretendo-o a moda dos padeiros da época. Calçou as botas de couro legítimo, pregando por ultimo um pingente singelo.
Um pequeno espelho instalado na porta mostrava o reflexo de uma Roberta diferente. Sua pele macia com curvas suaves, lábios carnudos, um jeito fugaz. Uma tez altiva numa aparência de nobre, uma roupa esnobe, um quê de familiar.
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O Herdeiro dos Sonhos
FantasyEduardo vive o drama de ser um Herdeiro dos Sonhos que nunca sonhou uma só vez na vida. Chateado, tentava lidar da melhor maneira com as responsabilidades inerentes ao cargo sem sentir-se realmente satisfeito com seu desempenho. Num dia comum de ou...