O velório foi horrível, particularmente. Havia tantas pessoas que era quase impossível transitar, e o mais irônico é que aquelas pessoas, a maioria delas, nem ao menos se lembravam do nome dele alguns dias atrás.
De longe eu podia os ver forçarem o sorriso ao entrarem no local onde o caixão branco com detalhes em dourado se encontrava, cumprimentavam a família e diziam coisas como " Eu realmente sinto muito pela sua perda Sra. Hudson", "Meus pêsames Sra. Hudson, James era um bom menino". - Calem a boca! Eu respondia mentalmente à cada um dos hipócritas que como urubus rodeavam a carne que logo ficaria podre.
Eles simplesmente vinham com as estúpidas rosas brancas, deixavam-nas em cima do caixão lacrado repleto de flores e por alguns instantes olhavam fixamente para a tampa do caixão, como se aquele ato servisse como uma despedida simbólica, entretanto mal sabiam eles que ele odiava flores.
Não há muito a se dizer de velório, é tão quieto e sombrio- quer dizer, se não levarmos em conta os soluços de algumas pessoas ali presentes- é como se realmente estivéssemos vivenciando a morte, a dor, ela é gradativa e após um tempo permanece constante. Me pergunto o que o fez pensar em suicídio e o que passou por sua cabeça, porque de fato todos sabemos que não há outra vida, não depois da morte, então porque se submeter a um tiro no escuro - Literalmente - sendo que não haveria nenhuma certeza, eu costumava ir aos domingos na igreja e mesmo não prestando a menor atenção na maioria das coisas que o pastor falava eu sabia com convicção de apenas uma, a morte é o final de tudo, então porque se arriscar tanto, porque parar de viver?
É tantos porquês, mas para nenhum à uma resposta, a única chance que tínhamos de saber a verdade está nesse exato momento em um caixão que futuramente estará a sete palmos do chão, sendo exposto a todo tipo de verme que comerá sua pele já fria e sem cor, e ao final não sobrará mais nada, nem ao menos os trapos que veste, sua família não viverá para sempre, seus amigos seguiram suas vidas e o tempo passará e então aos poucos o seu nome será esquecido como o de todos que já se foram.
...
-Não há dor maior do que ter de dizer adeus aos que amamos. Nem há saudade tão eterna como aquela que nasce com o luto. Por isso oramos a Deus nesse dia para que conceda a família Hudson o conforto e força que precisam. Por favor recebam minhas sinceras condolências. - Reviro os olhos com as lindas e tocantes palavras do querido professor John, nem parece que diversas vezes o julgou. É claro que a sessão "fui me despedir de James com palavras bonitas", não acabaram, ele falou por exatamente uma hora, uma interminável hora, o engraçado disso tudo é que ele nem ao menos o conhecia, ninguém naquele lugar conhecia um por cento do que James era, nem seus próprios pais.
-Bom agora vamos dar a palavra para uma grande amiga de James, sei que é difícil senhorita Elizabeth, mas gostaria que dissesse algumas palavras.
Levanto a cabeça na direção de Ethan o organizador do "evento", ele me incentiva a me levantar com um manear de cabeça e eu apenas cruzo os braços e permaneço no mesmo lugar, é ridículo, não irei me despedir dessa maneira.
-Vamos Liza, são só algumas palavras. - Sussurrando ao meu lado me incentiva Zach, meu irmão, me dando um leve empurrãozinho com o cotovelo, e eu o ignoro, ele guia meu olhar até os de Hudson e eu os vejo com os olhos brilhando pelas lágrimas olhando exatamente na minha direção, esperando talvez uma reação, o cansaço e o olhar inconformado eram evidentes. E eu penso por um momento que para eles isso, toda essa baboseira é importante, mesmo que para mim não signifique absolutamente nada, eu sei que preciso fazer, por eles.
Tomo impulso me levantando, arrumo minha franja que caíra sobre meus olhos e vou em direção ao pequeno "púlpito" improvisado, passo pelo caixão e direciono meu olhar a ele, desde que cheguei não consegui olha-lo, não de tão perto como estou.
Continuo o percurso agora não mais com a coragem a qual me levantei da cadeira, fico de frente para todos ali presentes, e nesse momento vacilo meu olhar, minha boca seca e eu simplesmente perco a fala, agora essa ocasião não me parece tão boba quanto antes, olho para meu irmão e o mesmo me incentiva a seguir em frente, coloco minhas mãos em meus bolsos e respirando fundo começo.
-Bem, eu não sei o que de fato dizer, é tão difícil para mim quanto para cada um aqui hoje, e eu ... eu tenho uma pequena frase que gostaria de ler. - Digo pegando o pequeno papel que se encontrava em meu bolso esquerdo, o desdobro e o encaro. -" Mesmo sabendo que um dia a vida acaba, nunca estaremos preparados para perder alguém. " - Amasso o papel e respiro fundo. - Olha eu não sei se faz algum sentido para vocês, mas a dor ela não vai embora, dói tanto em mim hoje quanto doeu no dia de sua morte, e essa dor só tende a piorar, porque ele não está aqui, e o pior é que ele não está por que escolheu isso, eu sei que muitos de vocês não querem tocar nesse assunto, mas não há motivos, quer dizer, é doloroso , mas camuflando o fato dele ter cometido suicídio não faz a dor amenizar, desculpa senhora Hudson mas essas pessoas, todas elas são hipócritas, elas não se importam, nunca se importaram, elas não o conheciam como eu. Vocês ao menos sabiam que ele odiava flores? Principalmente rosas? - Digo apontando em suas direções, eu já me encontrava com as lágrimas sobre meu rosto, os lábios trêmulos, a boca seca, eu mal conseguia respirar, eu estava descontando toda a minha dor, minha frustração naquelas pessoas, e no fundo eu sabia que elas mereciam, mereciam por me lembrarem toda maldita hora minha perda.
-Tudo que temos, ou não nessa droga de vida é o tempo, e eu somente queria que o Jay tivesse escolhido continuar com o seu.
Ao concluir a frase direciono minha cabeça aos rostos presentes e vejo o espanto em seus olhos, não há som nenhum, muitas pessoas choram em silêncio, principalmente os Hudson, Mercedes chora compulsivamente no ombro de seu marido, enquanto ele tenta inutilmente se manter forte na presença da sua esposa. Com a cabeça baixa passo por entre as pessoas, procurando pela saída, vou em direção a ela e por um momento escuto passos atrás de mim, não me atrevo a olhar, desejava sair daquele lugar o quanto antes.
Continuo o percurso para fora do velório, saio da casa e vou andado sem rumo, avisto ao longe a floresta e vou a sua direção, lá eu sabia que poderia permanecer sozinha com minha dor, passo por entre as árvores com seus galhos secos e sem nenhuma folha, o céu nublado e o vento frio dominavam o lugar, minha pele congelada abria alas a dúvida de que talvez fosse a mim que a morte havia dominado. Sinto minha pele arder quando acidentalmente arranho meu antebraço em um dos galhos do arbusto, o praguejo mentalmente, contínuo andando e avisto ao longe o banco perto do parque, parque este que costumávamos ficar durante as tardes de sexta. Ele permanecia deserto, aproximo-me do banco que ficava embaixo de uma linda árvore de Carvalhos, limpo-o superficialmente e me acomodo.
Coloco as mãos no bolso e permaneço com os olhos fixos nos brinquedos do parque, a vista era linda no verão.
Havia tantas crianças, os sons de suas risadas ecoavam por todo lugar, Jay e eu sentávamos embaixo da árvore sempre com um sorvete ou algodão-doce que comprávamos do seu Zé.
Agora o lugar está tão quieto e sombrio que toda a beleza que esse lugar possui vai lentamente se desmaterializando, como uma poça d'água que seca com o escaldante sol, as pequenas gotas da água vão sumindo até somente sobrar o pó.
Olho a casinha perto do escorregador e sorrio, era ali que brincávamos quando crianças e nos sujávamos de terra, brincávamos de super-heróis, era ele que sempre me salvava enquanto eu, era apenas a mocinha em perigo, ali podíamos ser quem quiséssemos, entretanto, a melhor parte era quando nos balançávamos no balanço, o vento em nossos cabelos, o sorriso que tínhamos em nossas faces, podíamos voar, só era questão de tempo.
Não havia nada que eu não pudesse fazer,que nós não pudéssemos fazer, sabe aquela figura especial que toda criança idealiza na infância? Aquela de que é um super-herói e que nada o destruirá? Era assim que vivíamos, hoje eu vejo que toda aquela idealização não adiantou de nada, eu não sou mais aquela criança que sonhava acordada e que tinha medo de ser trocada por seu melhor amigo, agora eu sou apenas uma garota no meio de muitas que tentam se fingir de forte quando na verdade só há um vazio. E foi pensando nisso ali naquele parque tão especial para nós que eu chorei, chorei como se nada mas importasse, e realmente nada mais importa, eu fui destruída e não foi por um bicho papão como eu idealizava na infância, foi pelo meu próprio super-herói. Quando eu presenciei sua morte, naquele dia a magia se foi, pude ver que não existiam super-heróis e nem vilões. Só existem pessoas que nos escondem quem realmente são. Eu não o conhecia, nunca o conheci, não verdadeiramente. A verdade é que nem sempre super-heróis salvam o mundo, talvez sejam eles a acabarem com o seu.
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Olhe para o céu
Romansa" Algumas pessoas nascem para se apaixonar, mas isso não significa que nasceram para ficarem juntos..."