Eu nunca consegui ver mais de mim, tudo que eu enxergava era o que as pessoas diziam. Para os outros isso pode parecer uma situação simples, mas para mim nunca foi.
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08 anos
- Chega! - minha madrinha disse já retirando o garfo das minhas pequenas mãos - Já está parecendo uma bola! Se comer mais explode!
Eu apenas me levantei da mesa e me coloquei a andar até o quintal, onde me sentei ao lado dos cachorros, que lambiam meu rosto vendo minhas lágrimas salgadas saírem.
- Por que eu não sou bonita como a Hana, Pandora?
Perguntei para a cachorra que eu sabia que jamais me responderia, ela apenas me encarava, talvez pudesse entender que eu estava triste.
- Os meninos fizeram uma lista das meninas mais bonitas da sala, bom e eu fiquei em último lugar, eles disseram que eu sou gorda. Hana ficou em primeiro lugar, mas ela merece, né? Ela é loirinha, e tem corpo de modelo! Ela sim merece.
Meu pequeno coração, era assolado pela tristeza que me consumia. Mesmo com apenas 8 anos, eu me olhava no espelho e não via futuro nenhum. O futuro é das magras, você não tem esse talento. As revistas, os filmes, as pessoas, meus parentes, os olhares maldosos, tudo!
- Eles me fazem querer vomitar ao me ver.
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- Gorda! Baleia! Saco de areia! Roda gigante! Bunda de elefante! - As crianças cantavam em coro para mim, enquanto eu me encolhia com as mãos nos ouvidos tentando parar de escutar o que diziam.
- Ei, Matheus! Deixa essa baleia aí! - Hana ria da minha cara, como se estivesse muito satisfeita com o meu sofrimento.
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12 anos.
- Você não vai acreditar! - minha amiga Sam vinha sorridente em minha direção segurando uma revista em mãos. - Adivinha quem saiu na capa da revista AVON desse mês? - disse orgulhosa.
- Nossa! Quem, Sam? Foi você? – meus olhos brilhavam de felicidade pela minha amiga.
- Claro que fui eu! Não poderia ser você, né? – riu - Brincadeira, amiga.
- Ah, sim, claro... - segurei as lágrimas fortemente.
Se as pessoas soubessem o quanto essas brincadeiras machucam, é como se uma flecha perfurasse meu peito, mas nisso, eu não morro instantaneamente, morro aos poucos. Morro um pouco mais à cada dia.
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14 anos
Finalmente eu estava em casa usando o computador livremente, meu pai me deu um notebook e foi a melhor coisa. Estava olhando meu Facebook e lendo algumas poesias.
- "Camille, a gorda." - olhei o que estava escrito e meus olhos marejaram.
Matheus, juntamente com Danilo e mais alguns garotos, haviam criado uma página para me constranger. Isso me despedaçou, comeu a minha alma por completo.
Em desespero corri para o banheiro e peguei uma quantidade considerável de remédios e entorpecentes, algumas lâminas e voltei para o quarto. Engoli todos aqueles comprimidos de uma vez, peguei a lâmina, e desferir cortes em meus antebraços.
Nenhuma dor, era maior que a dor que me assolava o peito, aquela fora a primeira vez que eu tentei me matar.
Não importa quantas vezes eu ouça "eu amo o seu cabelo", "o tom da sua pele é lindo", "você tem o corpo da mulher brasileira", "não ligue para o que os outros dizem", essa tristeza sempre vai voltar, não importa o que aconteça.
- Eu sempre serei a gorda, baleia, saco de areia, roda gigante, bunda de elefante.
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15 anos
- Grande parte das vezes, as pessoas com complexo de inferioridade tendem a não enxergar as coisas como são. Em sua maioria, isso acontece por conta da pressão social existente à sua volta. - Doutora Raquel explicava para a minha mãe que prestava atenção nos mínimos detalhes. - Sua filha sofre ou já sofreu algum tipo de bullying?
- O que? Não! Se isso tivesse acontecido, eu saberia.
Eu estava sentada no consultório, apenas observando aquela conversa. Nunca contei para minha mãe sobre os casos de bullying.
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16 anos
Finalmente estou fazendo 16 anos, a idade que todo o adolescente quer chegar, pois dizem que ficamos muito mais bonitos.
Era domingo de páscoa e eu e minha família estávamos reunidos em volta da mesa para um almoço em família.
- Quando a Mille era pequena, eu até conseguia pegar ela no colo, hoje em dia, se eu tentar, minha coluna se parte ao meio! - Dih caçoava enquanto o resto das pessoas à mesa riam.
- Mille, por que está com essa cara de bunda? - Mari indagou.
- Por nada. - Eu disse de cabeça baixa.
- Oras, ela só tem essa cara mesmo! - Meu padrinho disse fazendo todos rirem e eu me encolher ainda mais.
Me levantei da mesa atraindo alguns olhares curiosos e fui em direção ao quarto com meu fone de ouvido em mãos. Eu precisava de música.
Quando chegamos em casa, eu tirei meu vestido e fui direto para o banheiro. Olhei-me no espelho e cuspi no próprio.
- Gorda! É isso o que você é, quer emagrecer? É só fechar essa boca! Fazer abdominais! E você é o que? Uma baleia preguiçosa, há quantos dias você não come, uh? Pois é! Já faz uma semana que você não se alimenta direito para tentar ficar bonita, mas a verdade é que nem assim você consegue! Você jamais será perfeita. Jamais alcançará o âmbito social. Sempre será essa porca gorda e rechonchuda.
Não é, e nunca foi, frescura.
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Convivendo com o Bullying.
No Ficción"Eu nunca consegui ver mais de mim, tudo que eu enxergava era o que as pessoas diziam. Para os outros isso pode parecer uma situação simples, mas para mim nunca foi." "Se as pessoas soubessem o quanto essas brincadeiras machucam... É como se uma fle...